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Identidades de Género: História e Conceitos

Tal como é do conhecimento geral, as primeiras abordagens da Sexologia foram marcadas por uma visão profundamente patologizante da diversidade de comportamentos, orientações e identidades sexuais.

 

Os primeiros trabalhos deste campo teórico focaram-se principalmente no estudo da homossexualidade, embora Krafft-Ebing (1894 cit. por Hirdt, 2002) já falasse de “sentimentos sexuais invertidos” e de “ginandria” na sua obra Psychopathia Sexualis. Este autor procurava descobrir uma causa congénita, uma relação destes comportamentos com a hereditariedade, existindo nas suas hipóteses uma certa consistência com as teorias pré-modernas sobre a transexualidade, pois considerava que “os invertidos” eram homens falhados (MTF) em contraste com os “invertidos” de mulher para homem (FTM) que eram vistos como mulheres inteligentes, realizadas e autónomas (Krafft-Ebing, 1894 cit. por Hirdt, 2002).

 

Robert Stoller (1968, 1975 cit. por Hirdt, 2002) distingue a transexualidade, tal como é descrita na obra de Kraftt Ebbing, da homossexualidade e do travestismo. Segundo este autor, a transexualidade seria um produto de uma educação “inconsciente” das crianças como sendo do sexo oposto. Focava-se assim na fórmula: “demasiada mãe seria possível devido à pouca presença do pai” (Hirdt, 2002).

 

Ao longo do século XX este tipo de crenças estará muito presente na Psicanálise e na Medicina, cujas abordagens irão influenciar todo um conjunto de teorias que procuram encontrar uma explicação para a transexualidade nos “desvios” a uma parentalidade orientada para uma feminilidade ou masculinidade “normais”, isto é, pais “efeminados”, mães “dominantes”, idade dos pais, ordem de nascimento, divórcio, etc (Couto, 2013, Hirdt, 2002).

 

Neste enquadramento geral há que destacar os trabalhos de Harry Benjamin, autor que (perto de 1940) terá utilizado o termo transexualidade pela primeira vez. Este autor foi bastante influenciado pelos trabalhos de Magnus Hirschfeld e da sua equipa, sendo aliás neste Instituto, em 1931, que foi efectuada a primeira cirurgia de redesignação sexual (Couto, 2013).

 

Em 1953, Harry Benjamin descreveria a transexualidade como “a plena convicção por parte de um indivíduo de determinado sexo de pertencer ao sexo oposto, e um comportamento visando realizar essa convicção” (Couto, 2013).

 

Na mesma época em que se intensificavam as pressões cívicas para a despatologização da homossexualidade, a transexualidade entra para a lista das doenças mentais na edição da DSM-III da American Psychiatric Association (1980), sendo também utilizado o termo perturbação de identidade do género para descrever indivíduos com disforia do género (Couto, 2013).

 

Mais tarde, com a DSM IV (1994) há um refinar dos critérios e da descrição das perturbações de identidade de género, sendo retirados os termos disforia do género, transexualismo e transgénero. Na DSM V (2013) abandona-se o termo perturbação da identidade de género e o termo transgénero, passando-se assim a usar o termo disforia de género (Couto, 2013).

 

Tendo sido feita uma breve descrição sobre a evolução histórica dos olhares que a Medicina, a Psiquiatria, a Sexologia e a Psicologia desenvolveram sobre estes temas, impõe-se agora a descrição de alguns conceitos fundamentais usados na contemporaneidade (ver Couto, 2013; Collins & Sheenan, 2004 ; Silva, 2021; Witten et al, 2013):

 

Identidade de Género – Refere-se à noção interna que cada pessoa tem de feminilidade, masculinidade ou de ambas, bem como a forma como essa identidade é internalizada e expressa perante os outros;

 

Disforia de Género- A noção de disforia de género refere-se ao desconforto ou sofrimento causado pela discrepância entre a identidade de género e o sexo atribuído à nascença;

 

Transexualidade – As pessoas transexuais são aquelas cuja identidade de género não é congruente com o sexo que lhes foi atribuído ao nascimento. Em geral, as pessoas transexuais vivem socialmente de modo concordante com a sua identidade de género, independentemente das intervenções médicas a que se tenham submetido ou do desejo de as fazer no futuro.

 

Transgénero – O conceito de transgénero é actualmente usado para referir o comportamento, a aparência ou a identidade de pessoas que perturbam, transcendem ou não se conformam com as normas culturais definidas para pessoas do seu sexo biológico. Este termo é usado de modo inclusivo, abarcando as próprias pessoas transexuais, mas também qualquer pessoa gender fluid (ver Couto, 2013; Collins & Sheenan, 2004 ; Silva, 2021; Witten et al, 2013).

 

Independentemente das visões mais ou menos patologizantes que ainda persistem sobre a disforia de género, foram criadas directrizes internacionais para os profissionais de saúde que acompanhem estas pessoas (Pinto & Moleiro, 2012):

 

(1) revelar respeito pelos/as pacientes, independentemente da sua identidade e expressões de género (isto é, não patologizar diferentes expressões e identidades de género);

 

(2) prestar cuidados de saúde (ou encaminhar para colegas mais bem preparados/as) orientados para a diminuição do mal-estar provocado pela disforia de género, de modo concordante com a identidade de género de cada um(a);

 

(3) manter-se informado/a acerca das necessidades de saúde das pessoas transexuais, nomeadamente dos benefícios e dos riscos das diferentes opções de tratamento;

 

4) fazer corresponder o tratamento às necessidades e aos desejos específicos de cada paciente, nomeadamente no que respeita às suas expressões de género;

 

(5) facilitar o acesso a cuidados de saúde adequados;

 

(6) obter o consentimento informado de cada paciente antes de iniciar qualquer tratamento;

 

(7) prestar cuidados de saúde continuados;

 

(8) estar preparado/a para prestar apoio aos seus e às suas pacientes através da intervenção junto das famílias e comunidades.

 

 

Referências Bibliográficas

 

Collins, E., & Sheehan, B. (2004). Access to health services for transsexual people. General instructions to authors, 174(2), 71.

 

Couto, J. (2013). Transexualidade: Passado, Presente e Futuro. Tese de Mestrado em Medicina Legal não publicada. Instituto Abel Salazar, Universidade do Porto.

 

Hird, M. J. (2002). For a sociology of transsexualism. Sociology, 36(3), 577-595.

 

Pinto, N., & Moleiro, C. (2012). As experiências dos cuidados de saúde de pessoas transexuais em Portugal: Perspetivas de profissionais de saúde e utentes. Psicologia, 26(1), 129-151.

 

Witten, T.M., Benestad, E.E.P., Ekins, R.J.M, Ettner, R., Harima, K., King, D., Landén, M., Nodin, N., P’yatokha,V., & Sharpe, A.N. (2003). Transgender and Transsexuality. In Ember, C.R. & Ember, M. (eds.) The Encyclopedia of Sex and Gender: Men and Women in the World’s Cultures. New York, N.Y.: Kluwer/Plenum.

 

Silva, A. (2021). Guia Para Famílias de Pessoas Trans*, AMPLOS.

 

 

Foto: PF (2017)

 

 

 

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