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A minha parceira tem dor sexual. E agora?

Como referi num artigo anterior (ler aqui!) , a dor sexual pode ser definida como um sintoma de dor persistente que afeta muitas mulheres nas suas relações sexuais – entre 8% a 21% a nível global. Este problema pode manifestar-se através da dificuldade na penetração vaginal; da dor intensa na vulva, vagina ou pélvis durante a relação sexual ou tentativa de penetração; pelo medo e/ou ansiedade da dor em antecipação, durante ou resultante da penetração; e/ou pela contração dos músculos do pavimento pélvico durante a tentativa de penetração vaginal. Ainda que a dor durante o sexo seja comum, ela não é normal.

Muitas mulheres chegam à consulta de Sexologia com esta queixa, no entanto, o impacto estende-se também à dinâmica da própria relação. Por esta razão, escrevo abaixo algumas ideias que considero importantes para o casal refletir.

Parar as práticas que provocam dor

Muitas mulheres aguentam a atividade sexual com níveis de dor extremos, o que traz consequências na forma como se vêem enquanto mulheres e na forma como encaram a sua relação amorosa. É necessário que a atividade seja um momento seguro e prazeroso para ambos. E, isto só é possível se não houver dor sexual para a mulher.

Renegociar a intimidade

É frequente alguns casais, numa condição de dor sexual, deixarem de ter qualquer tipo de contacto físico. Evitam beijar-se, evitam tocar-se, evitam trocar olhares, porque estes gestos podem ser uma porta aberta para o sexo, e o sexo (com penetração) significa dor. Então, perde-se esta forma de expressar amor e intimidade. E daí, podem começar a surgir sentimentos de frustração, rejeição e culpa.

Então, é importante dedicar tempo a momentos de intimidade sem que se transformem em atividade sexual.

Por exemplo, planear um encontro, conversar sobre o dia um do outro sem distrações, abraçar, tomar banho juntos, fazer uma massagem, fazer uma atividade em conjunto, rir, dormir nus, estar em silêncio sem que seja confrangedor, beijar, etc. (Pode espreitar aqui o artigo que escrevi sobre o beijo.)

Comunicar para empoderar

Habitualmente, existem têm três tipos de respostas associadas à dor da parceira : respostas solícitas, que se caracterizam por reações de simpatia, atenção e suporte (ex. “Estás bem? Está a doer?”), respostas punitivas, sendo estas reações negativas, como a crítica, hostilidade e evitamento (ex. “Isto não doi, é da tua cabeça”), e respostas facilitadoras, que visam promover o funcionamento saudável da mulher (ex. “Vamos experimentar outras atividades sexuais que não sejam dolorosas para ti” ou “vamos procurar ajuda para resolver esta dificuldade”).

Alguns estudos têm demonstrado que existe uma associação entre o tipo de resposta do parceiro/a perante uma situação de dor e a intensidade da dor e a satisfação sexual da mulher. Por exemplo, as respostas solícitas e as respostas punitivas estão associadas a maiores níveis de intensidade da dor. Por outro lado, as respostas facilitadoras estão associadas a menores níveis de intensidade da dor e maiores níveis de satisfação sexual na mulher. Então, é preferível investir numa comunicação empoderadora, que se foque na solução e no prazer que ambos podem experienciar na atividade sexual, retirando o peso da penetração e consequentemente da dor.

Descobrir o prazer para além da penetração

É comum, nos casos de dor sexual, ouvir a frase “já não fazemos sexo há X tempo” ou “nunca tive relações sexuais” como se o sexo fosse apenas a penetração. Estas narrativas “coitocêntricas” fazem-nos desvalorizar todos os outros comportamentos sexuais que são igualmente sexo e reforçar sentimentos de culpa, frustração, humilhação, rejeição, etc. Abaixo, escrevo algumas atividades sexuais que muitas vezes são negligenciadas em detrimento da penetração:

· Beijar e tocar lentamente todo o corpo da outra pessoa

· Masturbar mutuamente

· Role-play
· Utilizar brinquedos sexuais
· Sexo oral
· Visualizar vídeos eróticos
· Brincar com temperaturas e texturas
· Ouvir audioporn
· Roçar no corpo do outro
· Sexting
· Imaginar cenários eróticos

No fundo, é necessário investir noutras atividades que sejam prazerosas e divertidas para ambos. Podem ser estas ou muitas outras, desde que não exista dor.

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