Tenho 28 anos. Vivo numa aldeia. Sou transmontana.
Nasci numa capital estrangeira, mas cedo os meus pais organizaram as suas vidas e decidiram voltar para o seu país de origem, para as suas raízes.
Toda a minha infância foi passada nas ruas da aldeia, a brincar e respirar ar puro.
Desde cedo soube o que era o trabalho na terra, a importância dos animais; Fiz a minha instrução primária na aldeia, mais tarde tive que sair para as vilas e cidades mais próximas para continuar os estudos. Sempre voltei à aldeia, não só porque era onde estava a minha família, mas também porque precisava de voltar sempre a casa, onde me sentia bem.
Foi aos 20 anos, e depois de passar por uma altura da minha vida mais tempestuosa, que regressei à minha aldeia…e fui ficando.
No início foi difícil, sendo uma jovem cheia de vida e com vontade de descobrir e mudar o mundo, sentia-me presa. Sentia que se ficasse aqui, numa aldeia perdida na região mais remota do país nunca seria ninguém. Nunca conseguiria realizar os meus sonhos, encontrar o meu caminho. Tinha medo de ficar, mas também muito receio de sair do ninho, de arriscar…
E fui ficando, e quando me apercebi estava completamente rendida, apaixonada pelo sítio que me viu crescer, pela aldeia da minha família, pelo meu cantinho.
Aqui aprendi o meu ofício, que hoje me faz sentir realizada e de bem com a vida, aqui encontrei o amor, e aqui tenho a paz e a plenitude que preciso para ser melhor, para ser capaz.
Ao contrário do que muitos pensam, e até mesmo eu pensava, não estou de todo isolada.
Tenho televisão, rádio, internet, livros, meios de transporte que me levam a conhecer e a descobrir o mundo e os vários mundos que existem.
Sou sonhadora e curiosa por natureza, preciso das coisas boas que as cidades grandes oferecem como espectáculos, concertos, cinema, exposições, restaurantes e afins…
Mas seria uma pessoa muito infeliz se não pudesse ver as estrelas no céu, o sol a brilhar, sentir a brisa do dia, a calmaria do lugar, o vagar das pessoas, a beleza das paisagens…
É todo um mundo de encantar, este sítio onde tenho o privilégio de trabalhar e morar.
E é por isso que me custa muito, sendo eu uma jovem cheia de interesses, que se mantém informada, que procura aprender e cultivar-se, que procura manter-se nos dois mundos, tirando partido do que cada um tem de melhor sendo criticada, inferiorizada e muitas vezes ridicularizada. Há pessoas que me dão um rótulo de menina que vive no fim do mundo, sem estudos, sem perspectivas, sem opinião, sem nada que possa mudar o mundo. Que fala com sotaque ou pronúncia, que ainda tem buço, e que nunca viu o mar. Alguém que não tem planos e sonhos, que vive o dia-a-dia, à espera do marido a quem lhe faz a sopa e lhe tira os sapatos. Que tem as unhas sujas, e que lhe falta alguns dentes…
Pois bem de facto estas pessoas existem, e mais facilmente se encontram em lugares mais pequenos, nos recantos de Portugal, e que mesmo assim tem algo a nos ensinar, e que merecem o nosso respeito e admiração. Mas nós, os jovens que foram à escola, que trabalham, que gostam de sair à noite, de viajar, de aproveitar as coisas boas da vida, que lutam pelo país, que contrariam as estatísticas, que moram na aldeia, também existimos, também somos reais.
E também somos felizes nesta escolha que fizemos.
(Por Sara Ana Macedo Afonso)