Todos nós conhecemos pessoas intensas, explosivas, impulsivas e com dificuldades nas relações interpessoais. Acima de tudo, são pessoas com muita dificuldade em regular as emoções.
Aquilo que muitas vezes é considerado “mau feitio”, na verdade pode traduzir uma Perturbação Borderline da Personalidade, ou seja, uma doença psiquiátrica que atinge mais de 2% da população. Pode parecer uma percentagem baixa, mas se compararmos com outras doenças, verificamos que a sua incidência é maior do que por exemplo a doença bipolar ou a esquizofrenia.
No entanto, continua a ser uma doença pouco conhecida, o que faz com que muitas pessoas não sejam tratadas, tendo um impacto significativo nas suas vidas e nas vidas daqueles com quem estabelecem relações íntimas, como pais, irmãos, filhos, parceiros/as.
De facto, segundo João Carlos Melo, psiquiatra e psicoterapeuta, as relações interpessoais mais próximas são “o terreno onde tudo acontece” e um dos problemas é o conflito entre a necessidade intensa do outro e o medo da rejeição, do abandono e da falta de aceitação.
Uma das principais características desta perturbação é a instabilidade afetiva, pois as emoções são muito intensas e difíceis de controlar. Muitos pacientes descrevem uma tensão interna e inquietação, uma dor interna, invasiva, intolerável, sendo este estado de humor pesado designado de disforia. Associada à disforia, surgem estados de irritabilidade, que originam reações agressivas e explosivas. Muitas vezes, perante uma pequena frustração, as reações emocionais são exageradas, com uma grande raiva (e ataque aos outros), incompreensível para quem está à volta.
Para aliviar a disforia, a pessoa pode procurar excitação ou novidade, havendo comportamentos impulsivos como compras ou novos relacionamentos. Mas também pode recorrer a comportamentos autolesivos, que têm a função de acalmar (a dor psicológica) ou de expressar a raiva. Fazer mal a si próprio diminui momentaneamente a angústia e ajuda a regular as emoções, mas não é uma solução saudável e pode pôr em risco a vida da pessoa.
Subjacente à instabilidade afetiva, existe frequentemente muita ansiedade, a qual se pode apresentar como ansiedade generalizada, ansiedade social e/ou ataques de pânico.
Parece então um contrassenso que, perante estas características, as pessoas não procurem uma ajuda especializada. O que acontece é que, simultaneamente às dificuldades nas relações interpessoais mais íntimas, existe uma boa capacidade para estabelecer novos contactos sociais e manter relacionamentos superficiais, porque geralmente são pessoas simpáticas e extrovertidas. Cria-se então a ilusão de que está tudo bem e o problema são os outros (os pais, os irmãos, os amigos).
Ainda assim, e sem desvalorizar as capacidades sociais, reitero que as pessoas com personalidade Borderline sofrem muito e fazem sofrer os que lhes são mais próximos. E não se trata de mau feitio, trata-se de uma doença, uma doença com um impacto significativo e que deve ser tratada através de psicoterapia.