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Temos medo de morrer ou de não viver?

Imagina que era possível viveres uma vida igual à que viveste até hoje, uma e outra vez, eternamente. Aceitavas?

O que sentimos ao pensar nesta resposta diz-nos muito sobre a forma como estamos a viver.

E se a ideia da repetição da vida que vivemos até agora não nos agradar ou até nos assustar? Se esta ideia magoa ou é insuportável, provavelmente não estamos a viver de forma plena.

Vou-me apercebendo que uma das mais angustiantes questões que surge em terapia é o medo de morrer. Vem normalmente disfarçado de outro tipo de ansiedades, medos, inseguranças, indecisões ou decisões impulsivas e mudanças drásticas na vida. Aparece frequentemente após o confronto com a perda de alguém, a morte de alguém jovem, um acidente, doença ou o fim de uma relação. Ao longo da terapia, percebemos que estamos a falar de algo que assombra todo o ser humano: a noção de que temos um fim e o medo que isso provoca. Depois, vamos percebendo que o medo da morte diz mais sobre a vida do que sobre a morte. Isto é, quanto mais sentirmos que estamos a viver uma vida plena, menos a ideia do fim nos assusta. Quando tentamos perceber “afinal, o que realmente causa medo na morte?”, ouvimos respostas como “tudo o que eu ainda não fiz!”. Ou seja, quanto menos vivida é uma vida e quanto mais sentirmos que falhámos os nossos sonhos e objetivos, maior será o medo da morte.

É aqui que se coloca a questão: temos medo de morrer ou de não estarmos a viver, no verdadeiro sentido da palavra? Sabemos sequer como é que queremos viver? Sabemos quem somos, o que defendemos e qual é o nosso sentido na vida? Se tudo o que sentimos são os dias a passar, não será compreensível que nos assuste a ideia de fim? O fim, sem termos feito o que queríamos, sem termos amado o suficiente, sem termos experienciado sensações, sem nos termos ligado aos outros. Que fim é este, se eu achei que ia ter tempo para tudo depois? Depois, quando? Um dia? Estamos muitas vezes a adiar a vida e esperamos que isso não nos traga angústia e ansiedade, convencendo-nos que temos tudo sob controlo, temos tempo, pensamos nós. Focamo-nos no que é preciso fazer agora, deixamos o que nos faz felizes para depois. Uma e outra vez. Repetidamente. Dias, semanas, meses, anos. E a vida passa. Quando nos apercebemos disso, sentimos arrependimento, ressentimento, frustração. Temos pressa. Queremos viver e não sabemos como. Queremos viver e o mundo à nossa volta parece não deixar. Será que não deixa? Ou será que estamos presos nas nossas próprias amarras, auto-sabotagem e medos?

Seja como for, o preço a pagar por uma vida não vivida é alto: angústia, ansiedade, depressão, estagnação e falta de conexão com os outros.

Se o medo da morte nos abrir os olhos para tudo isto, ele é bem-vindo. Não é agradável, mas é útil. Está a falar connosco e a despertar-nos para a forma como vivemos: MUDA, AVANÇA, AMA, VIVE! E está tudo bem se não soubermos como fazer tudo isto e se nos sentirmos confusos e perdidos. O que não é aconselhável é ignorarmos estas mensagens eternamente, adiar a mudança, o pedido de ajuda e a vida ao carregar uma bagagem de arrependimentos e ciclos auto-destrutivos. Não temos de o conseguir sozinhos, mas a responsabilidade de tentar é só nossa.

Assim, perante esta angústia podemos fazer mais do que diminuir a ansiedade da morte. Podemos utilizar esta consciência como uma experiência que nos desperta e nos motiva a mudar a nossa maneira de viver. A forma como damos valor à vida, como sentimos compaixão pelos outros e como amamos com maior profundidade, depende também da consciência que temos de que estas experiências estão destinadas a desaparecer. É importante estarmos presentes, sermos gratos, conectarmo-nos aos outros, transmitindo-lhes partes de nós para que a nossa essência perdure no tempo. Dar sentido à vida ajuda-nos a lidar com o medo da morte.

Nunca é tarde de mais para começar a viver. Se a resposta à pergunta inicial te inquietou, talvez seja útil perguntares-te: como posso viver a partir de hoje sem acumular novos arrependimentos?”
Se existe algum caminho que nos leve ao melhor, exige que encaremos de frente o pior.” – Irvin D. Yalom, De Olhos Fixos no Sol

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