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A minha amiga RAIVA

“Larga-me! Deixa-me em paz! Odeio-te! Vais pagá-las! Está calado! Vais-te arrepender!”

Raiva!… Raiva!… Raiva!

Olá! Deixa que me apresente: sou a Raiva. Mas não sou uma raiva qualquer, sou especial. Sou a TUA raiva. Sim, a tua amiga raiva. É verdade, estou aqui. E é um prazer poder finalmente dar-me a conhecer.

Por favor, não te afastes já! Dá-me 5 minutos do teu tempo. Eu conheço-te tão bem… tenho estado contigo toda a tua vida! Desde que eras aquela criança pequenina que não queria comer os legumes ou que não compreendia porque é que os pais não a deixavam ficar acordada mais 10 minutos depois da hora de deitar. Conheço-te mais do que imaginas, e adoro fazer parte da tua vida. Mas sinto que tu não me conheces tão bem como eu gostaria. Portanto, se me deixares, estou aqui hoje para te falar um pouco de mim.

Primeiro, permite-me dizer-te o meu apelido: EMOÇÃO. Mas não sou uma emoção qualquer! Sou uma emoção bastante especial, uma emoção básica, em conjunto com as minhas grandes amigas: a alegria, a tristeza, o medo, o nojo, a surpresa e o desprezo. Sim, sim… eu conheço-as muito bem! A maioria das vezes até caminhamos lado a lado – às vezes junto-me à tristeza, muitas vezes faço companhia ao medo, e acho bastante interessante quando o desprezo ou o nojo me convidam a acompanhá-los.

Mas, mesmo sendo uma emoção básica, universal, presente em todos os seres humanos, sinto-me sempre muito incompreendida. Quase ninguém gosta de mim. Todos me sentem, mas são muito poucos os que me acolhem. Todos querem que eu desapareça, dizem que sou um problema… imagina que até me chamam uma emoção negativa!!

Fico muito triste quando oiço isto. Porque sinto que não percebem o meu trabalho. Portanto, vou explicar-te o que é que eu faço.

Eu gosto muito de ti, e aquilo que eu mais quero é o teu bem; aliás, esta é a minha única missão na vida: proteger-te! Por isso, apareço quando surge alguma coisa que te ameaça a ti ou àqueles que te são queridos: quer seja uma ameaça à tua segurança física, emocional, à tua propriedade, à tua autoimagem, ou mesmo a alguma parte da tua identidade. Perante uma possível ameaça, eu envio um sinal a avisar o teu corpo de que há algo de errado, e digo ao teu corpo para se preparar para lutar, para te livrares dessa situação perigosa. Eu passo a informação de que aquela situação ou aquela pessoa podem fazer-te mal e que precisamos de nos livrar dela.

Vês? Como é que eu posso ser má ou negativa? Eu só estou aqui para te proteger. Para que sintas mais controlo perante uma situação de maior insegurança. Então, porque não gostas de mim…?

Claro que nem sempre funciono a 100%… Às vezes, posso interpretar algo como sendo uma ameaça quando, na verdade, não o é. Outras vezes, até identifico bem o perigo, mas a resposta mais adequada para lidar com esse perigo nem sempre é a de Lutar contra ele. E, de vez em quando, admito que me colo demasiado a outras emoções que, por não serem tão ativadoras como eu, acabam por passar mais despercebidas.

Nem sempre estou certa, é verdade. Engano-me… pronto! Peço desculpa por isso. Mas a verdade é que, para que eu funcione bem, não posso fazer isto sozinha… preciso de ti.

Como? Bom, eu estou aqui alerta, para identificar tudo aquilo que pode ser uma ameaça para ti, como se fosse uma sentinela a guardar um castelo. E quando identifico alguma coisa, envio um sinal de alarme ao teu corpo, que se vai colocar em posição de ataque. Chamamos a “Posição de Luta ou Fuga”. Ele vai preparar-se para agir: o ritmo cardíaco vai aumentar; a respiração vai acelerar, para que as trocas gasosas sejam mais eficazes de modo que consigas ter mais energia para lutar; os músculos vão ficar tensos; e o cérebro coloca-se em segundo plano, dando lugar à ação e colocando o corpo no comando.

A minha função só vai até este momento. A partir daqui, preciso que me guies.

Em 1º lugar, preciso que me oiças. Que percebas o que é que me ativou. O que é que eu posso ter percecionado como ameaçador. Aquela circunstância, aquela pessoa, pode estar a ser uma ameaça a quê?

Em 2º Lugar, preciso que me confirmes se aquilo que eu identifiquei como ameaçador é, realmente, um perigo, ou se carreguei novamente no botão de alarme sem necessidade. Todos nos enganamos, certo?

– Se não for uma ameaça, então podemos dizer ao corpo que não precisa de se manter em posição de ataque, que pode voltar a diminuir a respiração, baixar o ritmo cardíaco, libertar a tensão muscular – talvez utilizando algumas técnicas de respiração, relaxamento ou de meditação. Podemos voltar a colocar o cérebro no comando e prosseguir com a nossa vida. E fica tudo bem.

– Se, no entanto, houver realmente uma ameaça, então tens de tomar uma decisão: se é uma ameaça de vida ou morte ou se, pelo contrário, não é uma ameaça à tua sobrevivência. Se for o primeiro caso, às vezes é necessário deixar o corpo fazer o seu trabalho, deixá-lo lutar. No entanto, se for o segundo caso, deverás explorar de que maneira o corpo deverá agir – porque nem sempre a reação de Luta é a mais adequada, temos de admitir.

Como vês, há muito trabalho a fazer. Mas precisamos de trabalhar em conjunto para que tudo funcione bem.

Se tomares consciência daquilo que te é mais ameaçador, podes escolher como te comportar. Só que, às vezes, tomar esta consciência pode ser doloroso. Pode obrigar-nos a olhar para dentro de nós, para os nossos medos, vulnerabilidades, admitir as nossas fragilidades. E isso não é muito confortável e nem sempre é fácil. Por isso, percebo que seja mais tentador colocares sobre mim a responsabilidade de decidir como agir, porque assim não tens de te deparar com este lugar dentro de ti que pode ser mais assustador e mais incerto.

Eu agradeço a confiança que tens em mim. Mas, como já deves ter reparado, quando me deixas a trabalhar sozinha, às vezes acabo por me descontrolar… e sei que isso não é bom para ti. Falo alto e levo tudo à frente, não deixando espaço para que sintas mais nenhuma emoção para além de mim. Este estado em que te coloco pode fazer com que te sintas mais sob controlo, é verdade; mas também te pode impedir a chegar onde queres. Eu não sou muito boa a conduzir-te, e tudo funciona melhor quando és tu a tomar o controlo, a discernir, a decidir.

Era isto que gostava que soubesses hoje, para que me passasses a conhecer um pouco melhor. Espero que, daqui para a frente, possamos ir trabalhando cada vez mais em conjunto, e não separadamente. Porque eu estou aqui para ti. E estou às tuas ordens.

Vamos mantendo o contacto!

A tua querida amiga,

Raiva.

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