O ciúme é um conceito intemporal, uma vez que podemos encontrar referências a ele em textos bíblicos, obras de literatura, bem como na obra de Shakespeare, através do caso de Otelo. O ciúme tem vindo a perpetuar-se através de diferentes épocas e culturas.
Podemos encontrar o ciúme em diversas vivências do relacionamento interpessoal, todavia, quando o mesmo ocorre no seio de um casal que mantém um relacionamento amoroso, denominamo-lo ciúme romântico.
Não é fácil definir o conceito, até porque enquanto uns o consideram negativo, outros encaram-no de forma positiva. Todavia, podemos dizer que o ciúme diz respeito ao medo que a pessoa sente em perder a importância que detém na vida do outro e é originado pela possível perda do companheiro(a) para um rival, quer seja real ou imaginário. É um sentimento de apreensão relativo à possibilidade de ser abandonado, rejeitado e traído, bem como ao receio de deixar de ser amado.
Se há quem olhe para o ciúme negativamente, há também quem o encare como protetor da relação, pois as relações interpessoais possuem extrema importância na vida do ser humano, pelo que é normal a existência de emoções específicas que tenham como finalidade proteger essas relações de pessoas rivais. Uma dessas emoções seria o ciúme.
O facto de ser do conhecimento geral que muitas pessoas traem gera ansiedade e angústia relativamente ao próprio relacionamento. Assim, com as poucas garantias de “amor eterno” e segurança na relação, aumenta a hipótese de que o ciúme surja. Nesta perspetiva, o ciúme teria como função a manutenção da relação com o parceiro.
Contrariamente a outros sintomas, que duram enquanto a causa se mantém, o ciúme perdura além das causas, pois pode iniciar-se mesmo sem elas. Na verdade, o ciúme pode surgir após uma traição, sendo que, a partir desse momento, a pessoa começa a imaginar novos quadros de infidelidade, existindo uma generalização. O outro passa a ser olhado como um potencial traidor, tendo início os comportamentos de controlo e os conflitos. Todavia, outros fatores podem justificar o ciúme, nomeadamente a baixa autoestima, raiva, desconfiança, tristeza, incerteza relacional, interferência de terceiros e o tipo de relação.
No amor, assim como em outros comportamentos excessivos como o jogo, não é tarefa fácil estabelecer o limiar entre o normal e o patológico. Há quem diga que toda a relação pressupõe um determinado grau de ciúme com o intuito de testar o amor existente, já que a apatia pode revelar falta de interesse. A maior parte das pessoas refere o ciúme como algo normal em todas as relações, tornando-se assim difícil saber quando o ciúme passa a ser patológico. Supõe-se então que o ciúme apresenta uma dimensão patológica quando causa sofrimento à pessoa que vivencia ciúme ou que é alvo do ciúme, afetando a relação.
Nestes casos, o ciúme está permanentemente no pensamento do sujeito, torna-se omnipresente, diminuindo a capacidade de a pessoa se centrar em pensamentos alternativos. A partir deste momento não sofre apenas o ciumento mas também a pessoa vítima de ciúme. O alívio do desconforto causado pelo ciúme é conseguido através de comportamentos que visam a comprovação do comportamento do outro. O ciumento duvida de si mesmo e não necessita provas para acusar o parceiro.
A linha divisória entre imaginação e certeza é muito ténue. As dúvidas podem transformar-se em ideias hipervalorizadas ou delirantes e depois de instaladas segue-se a verificação compulsiva, a procura de provas de infidelidade e o questionamento frequente do parceiro. Este ciúme delirante é um conhecido fator de risco para a violência e homicídio.
Contudo, quando o ciúme não apresenta esta dimensão patológica, poderá ser um aspeto positivo na relação. Um estudo que desenvolvi junto de 1169 sujeitos portugueses revela que são aqueles que manifestam ciúme moderado que evidenciam maiores níveis de satisfação sexual, podendo colocar-se a ênfase na perspetiva que encara o ciúme como protetor da relação e demonstração de interesse pelo outro. É possível até, em alguns casos, verificar um aumento do desejo associado ao ciúme, motivado pela competitividade.
Por outro lado, os sujeitos que manifestam níveis de ciúme mais baixos são aqueles que se encontram mais insatisfeitos, o que coloca a hipótese de que a ausência de ciúme não é tão positivo como muitas vezes se ouve no senso comum, pois poderá evidenciar a falta de interesse pelo outro e o desinvestimento na relação. Este aspeto surge muitas vezes como algo pior do que ter um companheiro ciumento.
A questão reside assim na intensidade com que o ciúme é percecionado, sendo que, quando causa sofrimento ao próprio ou companheiro e coloca em causa o relacionamento, a psicoterapia poderá ser a solução. Nesse caso não hesite. Procure ajuda.