Um dos meus melhores amigos é constantemente importunado com a pergunta “E então? Há alguém na tua vida/já conheceste uma rapariga/quando vais assentar/etc?” e derivados intrusivos, bem-intencionados, mas intrusivos.
Estudado pelos psicólogos Duyen B. Vo e Albert Wakin este estado emocional e comportamental começa a ser mais compreendido, principalmente porque numa primeira instância assemelha-se a amor normativo e, portanto, é difícil de identificar. Embora pareça amor “normal”, é um estado emocional negativo, prejudicial e impactante na saúde mental que envolve pensamentos intrusivos, obsessivos e compulsivos, assim como comportamentos condicionados pela reciprocidade emocional interpretada da pessoa de interesse.
São identificadas, neste quadro 3 fases distintas:
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Força inicial ou de pulsão do comportamento – Surge o desejo intenso de reciprocidade emocional.
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Forças de manutenção do comportamento – Pensamentos intrusivos e obsessivos; constantes fantasias e construção de cenários imaginados; hipersensibilidade a pistas comportamentais e tendência a sobrevalorizar e analisar comportamentos da outra pessoa; medo de rejeição.
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Forças resultantes do comportamento – Instabilidade e labilidade emocional com flutuações entre intensa alegria e melancólica depressão; ansiedade e culpa.
Há então um desfasamento entre a realidade e a perceção fantasiada, o que gera a incerteza…e como quem está comigo em sessão já me ouve dizer (muitas vezes), a ansiedade é uma emoção que vive no futuro, no futuro incerto e consequentemente ameaçador.
Portanto este quadro ativa mecanismos de controlo de ansiedade, nomeadamente mecanismos obsessivo-compulsivos com hipervigilância sobre as interações com a outra pessoa, enviesamento na interpretação de ações e emoções, ruminação e repetição de cenários, etc, tudo com o objetivo de eliminar a incerteza face à reciprocidade do “amor” por parte da outra pessoa. Como esta incerteza não termina, porque o “amor” é factualmente platónico e sem reciprocidade, a ansiedade aumenta, aumentando os mesmos mecanismos que a tentam controlar, num ciclo que se alimenta a si mesmo.
Alguns psicólogos atribuem este fenómeno a uma subjacente incapacidade de se amar-a-si-mesmo, como uma projeção do amor que se é incapaz ou difícil de dar a si, e que seja mais fácil de viver o amor por analogia numa pessoa externa perfeita e idealizada. Aqui reside uma das ferramentas terapêuticas usadas: retirando o foco ao “outro”, restituindo o amor no próprio. Numa outra vertente, a terapia irá focar-se no confronto com o real, já que este “amor” reside não na pessoa alvo, mas na fantasia idealizada daquilo que esta tem para oferecer (ou que falta).
No fundo, aquilo que parece um problema relacional do eu-com-o-outro, é um sintoma do problema relacional com o próprio.
Para alguém que escreve maioritariamente sobre o amor e a relação este texto parece um pouco cínico. Existe então essa tal paixão espontânea? É possível distinguir o normativo do comportamento dependente do outro, ou obsessivo face ao outro? Sim e sim.
Mas para nos permitirmos à paixão normativa, para conseguirmos identificar o preenchimento que a relação saudável com o outro nos traz continuamos a precisar do que em consultório se aborda: amor próprio e auto-conhecimento.