Os momentos de conflito acabam por ser uma parte natural na vida de cada um de nós e no relacionamento com o outro. Inevitavelmente, haverão momentos de maior tensão ou discórdia frequentemente vindos de pessoas com histórias de vida diferentes, ideias, sentimentos, perspectivas, crenças, hábitos e, naturalmente, experiências de vida diferentes.
Reconhecer, assim, o papel que cada um de nós exerce nos momentos de conflito, tendo em atenção o impacto e as razões que levaram à leitura/interpretação atribuída à situação e a consequente reatividade emocional, auxilia e fomenta o desenvolvimento da nossa segurança e confiança em contexto de relação.
O (psiquiatra) Daniel G. Amen evidencia bem um exemplo desta situação, no seu livro Cérebro XL. Neste caso, Daniel partilha uma situação ocorrida em que terá bocejado em sessão com um paciente. Naturalmente nenhum de nós gostará de estar em consulta e aperceber-se do bocejo do médico e, de forma válida, poderemos rapidamente assumir como algo pessoal. No entanto, fará toda a diferença se optarmos por não acreditar no pensamento negativo imediato atribuído à situação, procurando ver assim aquele outro ser humano que está do nosso lado e lembrando todo o acompanhamento sentido ao longo do tempo e sessões.
Enquadrado no Modelo ABC, criado por Albert Ellis (psicólogo e investigador), e comumente utilizado na Terapia Cognitiva-Comportamental, teríamos, assim, o evento ativador: o médico bocejou em sessão. Seguem-se duas interpretações completamente diferentes atribuídas a uma mesma situação:
“O doutor deve ter dormido mal durante a noite. Possivelmente teve uma indisposição de saúde.” (opção/crença 1 sobre o evento ativador)
“Nem o doutor está interessado em ouvir-me. Sou mesmo um fracasso. Não tenho valor.” (opção/crença 2 sobre o mesmo evento ativador)
Ainda inserido no modelo ABC, teríamos, por último, as consequentes respostas emocionais e comportamentais advindas da crença atribuída ao evento ativador. Se, face à opção/crença 2, possivelmente a resposta emocional gerada seria de desconforto, tristeza e, por sua vez, levaria a um comportamento ao nível do afastamento/evitamento e consequente reafirmação da crença base já anteriormente existente “Sou um fracasso. Não tenho valor.”, possivelmente vinda de uma ferida emocional profunda de rejeição relacionada com traumas experienciados na infância.
Identificaríamos assim aqui presentes, três erros cognitivos comuns: personalização (“Por eu não ter valor e ser desinteressante, é que o doutor bocejou.”, catastrofização (“Nada vai mudar. Sou mesmo um fracasso.” e generalização (“Ninguém se importa comigo. Ninguém gosta de mim. Como sempre.”
Observe assim como este processo de análise e reflexão se torna importante se queremos melhorar e fortalecer as nossas relações, especialmente após um momento de conflito ou de tensão.
Recorra, desta forma, às seguintes dicas para recompor o seu relacionamento ou reconectar-se consigo próprio, sempre que necessário:
- Avalie se o seu sistema nervoso se encontra regulado. Deverá estar tranquilo e equilibrado no momento de tentar recompor a conexão. Se estiver tenso ou chateado, não será tão capaz de pensar e falar com clareza, estando mais facilmente à defensiva e provocando no outro uma reação de ataque ou de defesa. O outro sente não haver espaço seguro face aos seus sentimentos. Pelo que é importante que ouça sem ficar à defensiva. Sei que isto não é um processo de fácil gestão, especialmente se cresceu num ambiente familiar em que era comum os elementos do mesmo invalidarem os sentimentos uns dos outros, ainda que muito frequentemente sem a consciência que o estariam a fazer. Pode até não perceber bem ou não concordar com o que a outra pessoa está a dizer, mas permita que partilhe as suas experiências e tente empatizar, colocando-se no lugar do outro com o “calçado” do outro, nessa mesma situação.
- Seja objetivo. Dê nome ao comportamento e ao impacto causado pelo mesmo (seja interessado e pergunte, se não tiver certeza) e ao papel que desempenhou na situação. Exemplo: “Ontem quando rapidamente te apresentei uma solução sobre o que partilhavas comigo, tinha como objetivo ajudar-te na resolução do problema. Percebi depois que o que precisavas era de validação quanto ao que sentias. Desculpa se te magoei. Tentarei ter mais atenção da próxima vez.”
- Foque-se nos sentimentos da outra pessoa, e não tanto nos seus. Um genuíno e sentido pedido de desculpas deve ser centrado nos sentimentos do outro.
- Diga ou pergunte o que deverá melhorar e fazer diferente daqui para a frente. Identifique o seu papel ou responsabilidade no desenvolvimento de mudanças. Voltando ao exemplo anterior: “Quando quiseres partilhar algo comigo que te esteja a inquietar, vou tentar perceber se não fico eu a sentir-me ansioso com o problema apresentado e consequentemente querer rapidamente chegar a uma solução, uma vez que não sei estar neste lugar. E vou tentar assim melhor ouvir-te, validar o que sentes e só depois então perguntar-te como posso e devo ajudar, identificando o que tu precisas.”
- Perdoe-se. Faz parte da experiência humana magoarmos pessoas e tão frequentemente sem nos apercebermos disso no exato momento. O que deverá prevalecer é o reconhecimento disso mesmo. Após o pedido de desculpas, pratique o autocuidado, desenvolvendo uma maior autocompaixão através de um discurso interno acolhedor e autocompassivo através do qual libertamos endorfinas e oxitocina. Esta última conhecida como a hormona do amor! Lembre-se que está a fazer o melhor que pode e que todos estamos neste processo de desenvolvimento humano denominado… Vida! Então, que o possamos fazer com amor e acolhimento pelas nossas fragilidades.
Quão mais nos tornamos conscientes das expectativas colocadas nos outros e assumimos a responsabilidade pelas nossas necessidades antigas não satisfeitas, mais capazes estaremos de nos tornarmos criadores intencionais das nossas experiências com os outros, evitando assim que os traumas do passado nos aprisionem.