Recentemente em consulta um casal falava da falta de espontaneidade no sexo, e referiu esta questão enquanto diziam que “de qualquer modo tinham que aproveitar a tarde para ir às compras”.
Fiquei confuso. Estaria o desejo e a tal espontaneidade num corredor do supermercado? Nos produtos de limpeza? Em promoção? É algo que se pede num glovo para nos ser entregue em casa? Ou será algo para a qual se tem que trabalhar uma disponibilidade e espaço, físico, temporal e emocional, para ser criado?
A ausência de espontaneidade no sexo é dos temas mais comuns, e que surge tanto em terapia de casal como em terapia individual. Surge como um pedido, uma queixa, e por vezes até, como um termómetro da saúde sexual do casal.
Existe uma idealização e uma fantasia, se não mesmo um juízo, sobre o que é afinal a espontaneidade no sexo, e até que ponto esta espontaneidade é um indicador da qualidade do sexo, mas também da própria dinâmica do casal.
Existe de facto muita idealização, e até fantasia, também retratada em séries, filmes, etc., onde a sexualidade é sempre vivida espontaneamente, o que naturalmente influencia expectativas e exigências na intimidade. A nossa idealização romântica também contribui para isto. Mas mesmo nestes cenários fantasiosos, existe uma pista para esta questão. Os filmes e séries permitem paragens do tempo: o mundo suspende-se, as problemáticas interrompem-se, para existir o tal “espontâneo” sexo. Mas no fundo criou-se um espaço para a sexualidade.
Era conveniente, mas embora o nosso mundo e a nossa vida não parem, as nossas obrigações e responsabilidades não fiquem convenientemente em suspenso, pode e deve ser criado um espaço, temporal, físico, emocional e afectivo, para a sexualidade existir.
Contudo, o sexo “propositado” e “intencional” é frequentemente indesejado, julgado e categorizado como “menos autêntico” e também, talvez enraizado em tabus sociais, moralmente alvo de recriminação.
O desejo tem que ser trabalhado. “Ah mas de inicio existia” responde-me este casal.
E que mais também existia?
Porque será que no inicio da relação existia uma aparente “espontaneidade”? Porque no inicio também existiam outros fatores: o fascínio de uma relação nova, o esforço, compromisso que esta pessoa nova exige, a disponibilidade que damos ao outro, de tempo, da nossa atenção, do nosso empenho em agradar e seduzir.
Fatores que também exigem trabalho e empenho…e naturalmente, resultam no desejo.
“E as compras não aparecem em casa por elas mesmas pois não?” – não; tal qual como o sexo também requer tempo e atenção para existir. Houvesse tanto empenho no uso do tempo livre para o quotidiano doméstico como para a vida sexual. Habitualmente aqui chegamos a outro ponto fundamental desta questão, mais do que espontaneidade, há um pedido: sentirmos-mos desejados. O que é diferente de, no meio da nossa vida planeada e estruturada, esperarmos espontaneidade sexual.
Não faria sentido então criar o desejo na relação? Como? Com atenção, intenção, dedicação para com o outro.
Aqui muitos casais (habitualmente mais os homens, o que é interessante por si só, esta ideia quase imatura do amor incondicional, sem trabalho da nossa parte, mas talvez fique para outro texto) protestam. “É forçado”, ou “mecânico”. Mas será? É apenas dar atenção, seduzir a outra pessoa. Há uma intencionalidade apenas.
Não é porque a relação existe há mais ou menos anos, porque são casados ou juntos, existem zero ou quatro filhos que a outra pessoa está “conquistada” e não é merecedor do nosso empenho e atenção.
Esta atenção, empenho, planeamento, da sedução e do sexo, deve ser partilhada no casal.
Porque assim estimula-se a antecipação, o tal desejo, em conjunto. O sexo começa muito antes do que apenas no pouco tempo que o casal tem para si ao fim do dia.