Sentimos uma pressão para passarmos uma imagem social de nós perfeita. Desde cedo que percebemos que estamos a ser observados pelos outros, avaliados, julgados a partir das expetativas que os nossos pais, professores, amigos e colegas constroem sobre nós e que, a nossa necessidade humana básica de aceitação social, nos dita que temos de corresponder a isso para sermos admirados e amados. Temos também dentro de nós uma tendência biológica para fugirmos da dor e, por isso, tudo o que consideramos como mau ou negativo é algo que nos provoca uma dor psicológica e que sentimos na obrigação de rejeitar. Assim, é mais fácil admitirmos as nossas qualidades, os nossos sucessos e mostrar emoções positivas, porque sabemos que isso é admirado pelos outros. Com o tempo, quem sente demasiado esta pressão e não tem ferramentas para lidar com a mesma, transforma-a no peso da autoexigência e autocrítica, e na rejeição de tudo o que implique falhar.
Para alguns é, de facto, extramente difícil e provoca grande ansiedade admitir ou lidar com momentos em que estiveram mal, falharam ou mostrar defeitos, sobretudo se em crianças não encontraram um espaço de conforto, em casa, para o fazer. Muitas vezes as expetativas elevadas dos pais, o seu hipercriticismo, as punições e a transmissão de valores perfeccionistas leva-nos a pensar que isso não é admissível. Alguns comportamentos simples relacionados com este receio podem ser identificados em todas as fases da vida.
Desde cedo, a dificuldade de algumas crianças em admitirem culpa quando cometem um erro, o “não fui eu!”, o mentir e o ocultar, não só para evitar castigos, mas também para não desiludir “tive uma má nota e não quero dizer ao pai”. Em adolescentes, o inspecionar em detalhe a aparência e a maneira como se deve comportar para ser do agrado do grupo de pares – “não posso ter/mostrar os meus defeitos, tenho de ser perfeito” , a comparação exaustiva com os outros, o ruminar intenso sobre o que fizemos ou dissemos “não devia ter feito ou dito aquilo” o sentir que temos de nos comportar de acordo com o que o grupo espera, mesmo que isso nada tenha a ver connosco. Em adultos, o escondermos os nossos reais defeitos, ocultamos aos mais próximos detalhes que não gostamos da nossa vida ou acontecimentos maus, só contando aquilo que achamos que os outros vão gostar e sentirmos a necessidade de nos mostrarmos aos outros sempre felizes. Muitas vezes, viver em função daquilo que os outros pensam de nós e uma necessidade extrema em agradar…
E quando algo de mal acontece, quando há um imprevisto, um insucesso, uma falha, uma crítica, um não, uma culpa, há um sentimento de desespero tendência a esconder e incapacidade de lidar com estas situações. Há também um mal-estar e uma culpabilização exagerada, uma zanga e uma desilusão connosco próprios. Tudo porquê? Porque vivemos a vida a fugir ou a rejeitar tudo aquilo que não nos pareceu 100% correto de acordo com os nossos parâmetros (nada realistas).
Como fugir disto então?
Em primeiro lugar, isto deve ser trabalhado desde cedo, nas crianças, através da atitude dos pais – devem naturalizar o erro, evitar comparações da criança com outros, perdoar falhas, pensar em formas de remediar a situação e mostrar arrependimento em vez de punir, elogiar todos os pequenos sucessos sem colocar exigências excessivas, mostrar que também erram, falham, têm defeitos – e que isso é tão deles como as suas qualidades!
Mais tarde, a partir da adolescência, é importante ganhar autoconhecimento e autoaceitação – a visão completa do preto e do branco – as qualidades e defeitos, as falhas e os sucessos tudo como parte de mim, aprender a ter autocompaixão, relativizar aquilo que não gosto, evitar ou reprimir emoções negativas, aprender a partilhar os desagrados com quem sentimos confiança e mostra validar as nossas emoções. É ainda importante pedir ajuda perante situações que achamos que não conseguimos resolver ou perante desafios emocionais, sem ter vergonha e sem mentir ou esconder.
Sermos verdadeiros connosco próprios e com os outros, mostrarmo-nos como somos sem receios, entender que ninguém é perfeito, é uma aprendizagem de vida que nos retira um peso dos ombros e nos permite saber lidar melhor com as situações menos boas, retirando o poder ao medo de falhar e dando força às nossas forças e ao foco nas soluções.