“És demasiado nervosa” – “Ficas histérico” – “Só queres chamar à atenção” – “Vai fazer uma maratona, isso passa” – “És uma psicopata” – “Fazes sempre confusão, o que aconteceu foi outra coisa”.
É possível preencher uma página com acusações destas. É talvez uma das situações mais recorrentes em consulta: “dizem que sou…” seguida de uma das expressões de cima.
Não gosto de aceitar o que outros dizem de ânimo leve ou com facilidade. Os rótulos alheios ficam à porta. É importante analisar a frase e o rótulo. Principalmente quando a frase “dizem que sou…” não vem acompanhada de zanga ou indinação, mas de resignação e muitas vezes, culpa. Mais importante, é preciso pensar, quem diz isto, e para que?
Demasiado frequentes são as situações em que alguém em sofrimento psicológico se encontra rodeada de pessoas a quem o sofrimento alheio dá jeito. Por vezes conscientemente, outras não, há quem tenha ganhos secundários com o sofrimento dos outros; no mais inocente dos casos, o sofrimento psicológico é mantido e alimentado, no pior, é usado para manipular quem sofre.
Muitas vezes o sofrimento psicológico é transformado, manipulado, para descredibilizar a pessoa, por vezes invalidar quem é e o que sente.
“És demasiado nervosa” também se pode traduzir com “não te zangues com os meus erros que não me dá jeito que te zangues”.
“Ficas histérico” também pode traduzir-se para “não reajas, come a cala-te”.
“Só queres chamar à atenção” frequentemente é apenas “Eu não quero dar-te do meu tempo nem do meu esforço”.
“Vai fazer uma maratona, isso passa” é também “Vai para longe, resolve os teus problemas sozinhos que eu não quero trabalho”.
“És uma psicopata” – “EU sou um psicopata”.
“Fazes sempre confusão, o que aconteceu foi outra coisa” – “Já te disse tantas vezes que não jogas com o baralho todo, não se pode confiar em ti, acredita lá na minha versão”.
“Oh, coitadinho, tu sabes que isso para ti é difícil” é sem querer, “Tenho medo de dar-te independência”
Por vezes, algumas destas expressões são ditas, conscientemente e à superfície, com boas intenções. Inconscientemente traduzem ganhos secundários e incapacidades relacionais. Outras vezes, são utilizadas intencionalmente, criando a ilusão de que quem está em sofrimento psicológico não tem credibilidade nas suas emoções, não tem direito a sentir, tristeza, raiva, etc., não deve ter autoestima, ou a baixa autoestima é manipulada para o “amigo” ou “cuidador” se sentir valorizado por comparação, que quem sofre deve estar grato a quem o “atura” e outros subterfúgios que criam reféns emocionais.
Há casos, muitos felizmente, em que em conjunto, a relação de amizade, familiar ou amorosa, pode evoluir e modificar-se para efetivamente ser uma relação de apoio, respeito e aceitação. Outros há em que a manipulação e o aproveitamento é intencional, acabando por ser uma questão que se resolve melhor pelo autoconhecimento, o “afinal quem sou, o que sinto e porquê” fora do ruido externo.
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