As relações tóxicas podem estar presentes em diferentes vertentes da nossa vida, nomeadamente nas nossas amizades, no trabalho, nas nossas relações amorosas ou na nossa família. As relações familiares são impactantes e determinantes na construção da nossa personalidade e da nossa autoestima, sendo que um ambiente familiar tóxico e disfuncional pode ter um impacto bastante negativo nestas duas dimensões e na forma como nos sentimos.
Falar sobre relações familiares tóxicas é assunto sensível, uma que poderá ser um contrassenso acerca da ideia culturalmente transmitida sobre o que deve ser uma família. Tendemos a idealizar uma família como sendo constituída por pessoas que estarão presentes e apoiantes sempre que sentirmos ser necessário, sem nos prejudicarem. Irão amar-nos e apoiar-nos, independentemente do que aconteça. E, felizmente, existem muitas famílias que assim o são. Não estamos a falar de famílias perfeitas, porque essas não existem, mas sim de famílias onde existem conflitos esporádicos e que são ultrapassados sem causar um impacto significativo nos intervenientes. De facto, não é por existirem conflitos isolados que a relação é tóxica. Uma relação é considerada tóxica quando os conflitos são persistentes e consistentes, o ambiente familiar é disfuncional e interfere significativamente na saúde psicológica de alguns membros da família, causando medo, stress, ansiedade ou sintomas depressivos.
Existem alguns indicadores a que deve prestar atenção e que podem demonstrar que vive num ambiente familiar tóxico:
– Sentir-se constantemente infeliz e desconfortável quando está perto da sua família – como já foi referido, não necessitamos de nos sentir sempre bem e confortáveis junto da nossa família, uma vez que por vezes existem momentos menos positivos. Mas num ambiente tóxico, este sentimento de desconforto é persistente e constante – é a norma;
– Não ter suporte emocional e sentir-se invisível dentro da sua família – famílias onde as necessidades de apoio, compreensão e comunicação que deveriam ser satisfeitas, são ao invés negligenciadas, onde os pais estão demasiado ocupados e não dedicam o tempo necessário aos seus filhos. Não se fala sobre como correu o dia, nem sobre os problemas e soluções. Poderá ser comum sentir-se incompreendido, no sentindo em que por mais que se tente ter a iniciativa de conversar sobre o que sente, não há espaço nem disponibilidade para que isso aconteça;
– Sentir-se excessivamente pressionado – famílias que fomentam e impõem um padrão elevado e rígido ao nível das exigências. Os “deveres” e “objetivos” são maioritariamente irrealistas e inalcançáveis, o que vai gerar um sentimento de frustração constante (e.g., “Tens que ter sempre a melhor nota, e a melhor nota é o 20”; “Tiveste 18, mas houve colegas que tiraram 19, portanto devias ter tido 19 ou 20”);
– Existir uma inversão de papéis – filhos que desempenham desde cedo os papéis e comportamentos que deveriam ser assumidos pelos pais ou cuidadores primários. Os filhos são mais responsáveis e quase que se tornam “pais dos seus próprios pais”, existindo uma necessidade de apoio e de cuidado que é negligenciada;
– Sentir-se dependente da sua família – famílias que não fomentam a autonomia, que se encarregam de responsabilidades e tarefas que deviam ser dos filhos (ou ao contrário, dos pais), desenvolvendo relações de dependência;
– Sentir que existe manipulação emocional – membros da família que utilizam de uma forma consciente palavras ou comportamentos para influenciar outro membro, com o objetivo de conseguir algo para seu proveito.
Estes são alguns dos comportamentos dentro de uma família que poderão gerar consequências negativas na nossa saúde mental. Com esta análise, não estamos à procura de culpados, mas sim a reconhecer alguns comportamentos que devemos prestar atenção de modo a nos tornarmos mais conscientes do seu impacto e a desenvolver estratégias para gerir estas situações. Lidar com uma família tóxica pode ser desafiador e desgastante. Cada caso é um caso, no entanto o trabalho costuma focar-se em definir e estabelecer limites saudáveis nas relações familiares, trabalhar a autonomia e independência familiar, assim como fomentar a assertividade.
Por fim, importa igualmente refletir: estarei eu próprio/a a fomentar um ambiente familiar tóxico?
Iara Videira
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