Quando falamos de masoquismo o imaginário popular transporta a mente para representações quase caricaturescas da vivência limite da relação sexual masoquista.
Contudo, quando pensamos num sentido mais lato, masoquista, ou a estrutura de personalidade masoquista, é apenas aquele que se sente bem, validado, reconhecido, apreciado quando se sacrifica e subjuga pelo outro. Outro que frequentemente incentiva e reforça esta dinâmica. Sem juízos de valor, o masoquista tem o que precisa.
O masoquista – e todos nós na infância - passa pelas suas relações como “bonzinho”, assim descrito pelos pais quando subjuga o desejo pela punição. É a menina ou menino "bonito". Com efeito, esta dinâmica é positivamente reforçada, ao mesmo tempo que desejos individuais, pensamentos de vingança, de causar mal-estar aos outros, mesmo que inequivocamente apenas para ter o que egoisticamente se deseja, são camuflados. Na camuflagem dos desejos, o masoquista torna-se um “bom-escuteiro”, um defensor da ordem e dos valores, que se sacrifica e pena pelo sofrimento alheio, pelo “amor ao trabalho pelo trabalho”, o agradecimento excessivo pelo que lhe é dado, a lealdade cega, a servitude, etc.
Reprimido e recalcado, o desejo (escondido) não é saciado, pelo que o masoquista tem “fome de amor”. Com constante receio da rejeição do amor por parte do outro, submete-se masoquistamente para o ter. Não o amor-pleno, incondicional, mas restos.
O aproveitamento vem quando aparece um outro que olha para o masoquista como um alvo fácil. Um outro que de algum modo relembre o desejo reprimido, mas pelo oposto. Alguém aberto, directo, que o maravilha pela vivacidade. Quase um "o homem/mulher que a minha mãe/pai não iria aprovar". Assim cria-se uma relação potencialmente perigosa, na qual um se torna, pelo amor que tanto precisa, num fantoche do outro. Dado o amor que este precisa, o outro pode aproveitar-se, manipulá-lo, coagi-lo, dominá-lo, que haverá sempre submissão e amor.
Assim é perpetuada a camuflagem do desejo, ao mesmo tempo que a pessoa se perde, se anula e deixa de existir, afogada dentro um outro que parece ocupar muito espaço. Não tanto por dinâmicas relacionais saudáveis, mas pela manutenção de uma dependência assente no pressuposto que - apenas - o sofrimento é merecedor de afecto e de reconhecimento
Fontes - Matos, A. C. (2012). O Desespero: aquém da depressão. Lisboa: Climepsi.
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