Há algum tempo li uma notícia sobre uma adolescente de 16 anos. “Li” é um eufemismo, li o cabeçalho porque há notícias que não queremos ler, não queremos saber os detalhes, principalmente, não queremos perceber pelos detalhes como são situações que nos podem ser facilmente reconhecíveis e aquela realidade da notícia pode ser a realidade da casa ao lado, ou da nossa.
A adolescente tinha sido morta pelo namorado. O caso não se passou em Portugal mas podia. A violência não tem nacionalidade. Existem pessoas violentas em todos os cantos do mundo, pessoas que só conseguem preencher o vazio da inferioridade que sentem com o medo que causam nos outros.
O pensamento que está por detrás destes quadros não é muito variado: “Se faço esta pessoa sentir medo, se teme pela vida comigo, então eu não sou a pessoa insegura, frágil, incompleta e diminuta que vejo ao espelho. No espelho que são os olhos do outro, sou um gigante aterrador”.
Lembrei-me novamente desta notícia porque tal como referi, os detalhes fazem-nos perceber como estas situações facilmente nos fazem pensar em outras que nos são próximas. Recentemente na escola da minha filha houve uma situação complicada entre dois adolescentes. No 7º ano havia um casal, de muitos casais de namorados. Como é frequente nestas idades, estas “paixões” são como fósforos, ardem facilmente e duram pouco tempo. Nestes dois adolescentes, um deles decidiu que só a relação ser como um fósforo não era o suficiente, e tinham que se consumir também um ao outro. Isto começou com insultos e chegou ao ponto de ameaças físicas até que felizmente houve uma intervenção dos professores e pais dos adolescentes.
Muitos pais, com boas intenções, mas também com muita vergonha, não abordam a sexualidade na adolescência e não querem educar os filhos em questões relacionais.
Mas a educação é mais do que ensinar a evitar os perigos quotidianos. Educar é ajudar os nossos filhos a se desenvolverem enquanto pessoas independentes e capazes, e tendo em conta que grande parte da nossa vida é feita na relação com outros, não deve então a relação humana fazer parte do que educamos e transmitimos aos nossos filhos?
A dificuldade em lidar com estas questões é que pessoas violentas e tóxicas em relações são por norma dissimuladas. O abuso verbal, psicológico, físico, a manipulação, a violência e raiva vão progressivamente e cautelosamente aparecendo em doses calculadas até tornar o outro num refém. Um tem medo de sair da relação por receio de repercussões violentas, o outro precisa de compensar a inferioridade através do domínio e do medo.
Neste sentido há uma questão de extrema importância que é o cerne da questão do que escrevo. A educação relacional.
Como digo em formações com pais, ou mesmo em situações pessoais, é importante identificar as pessoas como elas são. Crua e directamente. Parafraseando uma dessas situações, disse, “Vai ter que dizer à sua filha que o rapazinho que gosta dela reage mal à rejeição, diga-lhe para ela ver como ele faz uma birra quando ele é rejeitado, e como a birra é uma birra violenta” - “Mas digo isso…assim? Coitado, não é mau rapaz…”.
Não é tanto uma questão de “bons” ou “maus”, mas de imaturidade emocional, de uma imaturidade violenta. Os sinais nas relações tóxicas e violentas são variados: Birras com teor obviamente violento, chantagens emocionais, ultimatos, controlo das acções e da vida do outro, entre mais exemplos, são tudo sinais de alerta, sinais de perigo, que podem e devem ser assinalados. Se educamos os filhos para o perigo óbvio de correr com uma tesoura também devemos educar para o perigo nas relações do nosso filho ou filha com alguém claramente controladora ou violenta.
Pessoas violentas e tóxicas nas relações estão por todo o lado, podem ser nossos vizinhos, nossos patrões, nossos familiares ou nossos companheiros. Como referi no início, a notícia não se passou em Portugal mas é irrelevante. Em todo o lado há quem procure compensar uma inferioridade com o medo que causa nos outros, e há quem precise tanto disse que procure manter um refém numa relação de medo.
Educar agora os nossos filhos a identificar os sinais de alerta, e que estas pessoas violentas e tóxicas nas relações existem, não é uma solução infalível. Não vai acabar com estas notícias porque a origem do problema é única e exclusivamente a pessoa violenta e tóxica, e estas terão que precisar de outra abordagem e acompanhamento profissional, mas é nosso papel educacional fornecer no melhor possível as bases para identificarem dinâmicas relacionais vulneráveis na casa ao lado, no trabalho, nas amizades, na escola e na própria casa.
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