(excertos deste texto foram escritos com a devida permissão e prévia autorização antes da publicação)
“Sou muito racional, lógico, está a ver?” – Respondia-me uma pessoa em sessão, como se fosse um ponto final – Respondi – “E aqui está o resultado, não é verdade? Uma única estratégia de viver e de se relacionar: lógica e racionalmente. Não estará na altura de tentarmos outras estratégias já que, claramente, esta não se adequa a tudo?”.
Conforme dizia isto, passou-me pela mente toda a circunstância de vida desta pessoa e todas as situações onde o “racional, lógico, está a ver?” teve as suas consequências e onde o levaram até este preciso momento de profundo sofrimento psicológico e procura de ajuda.
Com muito mais frequência do que aquela que gostava de ver, observo o uso e abuso de mecanismos de defesa assentes no pensamento lógico, isto quando não descamba para o puro recalcamento.
Claro, como todos os mecanismos de defesa, o pensamento lógico pode ser útil, ajustado, saudável. Quando usado com conta, peso e medida, ou seja, no tempo, com intensidade e circunstância adequada. Mas, como aviso tantas vezes em sessão, o nosso cérebro é preguiçoso. Gosta de preservar a sua energia psíquica, ou seja, procurar o caminho de menor resistência.
Portanto, frequentemente um mecanismo de defesa que poderia ser ajustado quando usado pontualmente e adequadamente, torna-se num vício.
Torna-se fácil pensar daquela maneira.
Diminui o sofrimento.
É reforçado pelos outros.
É validado pelas circunstâncias.
Em suma, há uma recompensa. Portanto, o nosso cérebro “pensa” algo como “bem, para quê aprender novos truques, se este funciona?”.
E, verdade seja dita, culturalmente, por uma série de fatores, o uso e abuso de pensamentos lógico-racionais, é incentivado e recompensado: pela sociedade que os glorifica com personagens de TV carismáticas (mas profundamente doentes), pelo meio académico que o incentiva, pelo ambiente laboral que o premeia, etc.
Por outro lado, já a teoria psicodinâmica o diz, mecanismos de defesa lógico-racionais têm como principal objetivo o bloqueio emocional, o acesso ao sentir. Então, neste paradigma, as emoções são vistas como a antítese do pensamento lógico-racional e, portanto, um inimigo, um mau habito a combater nesta busca (de quem para quê?) pelo ser puramente lógico e racional.
Mesmo com o excelente contributo que as disciplinas da Inteligência Emocional têm trazido para um melhor entendimento das emoções junto do público geral, há algo de artificial e interesseiro neste entendimento por parte do público geral, que olha para as emoções por vezes não como algo natural, mas como uma softskill a desenvolver para aperfeiçoar as suas técnicas de networking e talvez ter um endorsement no LinkedIn (espero ter usado estrangeirismos suficientes).
Mas as emoções existem. Sem consciência, sem controlo (ou sem o controlo ajustado), sem autonomia e sem bem-estar, vão consumindo as nossas relações. Vão corroer as fundações do nosso “Eu”, de como nos relacionamos no mundo e com os outros. Até ao dia.
Até ao dia em que tudo corre mal.
Até ao dia em que a acumulação, repressão, recalcamento, seja o que for, trás o sintoma físico, trás a ansiedade, trás a depressão vazia, trás um episódio violento ou simplesmente trás um profundo sofrimento psicológico que não se compreende de onde vem.
Muito poderia dizer sobre as emoções, muito que não caberia num texto. Em sessão dou normalmente na primeira consulta uma estratégia simples, que tenta remediar no imediato o que é para se trabalhar ao longo da terapia.
Explico que se me virem a conduzir, vão pensar que ou estou a falar com alguém ao telemóvel, ou estou a delirar, mas vão-me ver a falar. A falar sozinho. É a minha estratégia para lidar com as minhas emoções.
Questiono-me a mim próprio: “Parece que hoje estou só (por exemplo) com pensamentos desconfiados…Será que aquele carro vai atirar-se para cima sem pisca?…, mas desconfiado?…Será que é isto que me estou a sentir? Desconfiado? Não…Não me parece muito…. Será…. Assustado? Estou com medo? Sim…. Parece que sim. Mas medo de que? O que aconteceu? Estou expectante ou receoso de algo? Ah sim…. Pois estou, ok faz sentido, mas será medo a mais? É compreensível? Talvez…, Mas bem, então tenho que fazer algo quanto a isso e não é a conduzir paranoico de certeza”. Isto permite-me compreender, nomear e modelar as minhas emoções, do modo mais ajustado possível, à situação.
Este é um exemplo, muito simples, muito reduzido, onde depois ajudo a pessoa em sessão a fazer o mesmo com algo concreto que lhe aconteceu e como se sentiu.
Isto para a longo prazo trabalharmos a capacidade de desenvolver valências emocionais, e assim diminuir o sofrimento psicológico, permitindo-se a sentir e viver as emoções naturais.
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