Já aqui falei do grande problema dos pais no diálogo depois da escola, o inquérito dissimulado de conversa casual, "Então como foi a escola?" que leva a respostas muito elaboradas como "Vai bem" isto se não der azo a um "Vai bem, está no mesmo sítio" (a relembrar https://www.catarinalucas.pt/blog/o-meu-filho-n%C3%A3o-me-conta-nada ).
Recomeçando um novo ano lectivo, parece-me útil abordar novamente o tema, principalmente porque tenho ouvido em consulta uma variante de "O meu filho não me conta nada". Agora surge um acréscimo... "...acho que me mente".
Vamos ser claros, "acho que me mente" é uma verdade de la palisse. A escola não vai "bem". A escola é um local complexo, com diversas dinâmicas relacionais, com variadas fontes de pressão e acontecimentos constantes. É também o local onde os nossos filhos mais horas passam e portanto um local de extrema importância e significado nas suas vidas. Tudo o que se passa na escola é importante, mesmo quando não o é.
Pensem os pais no seu equivalente à escola (provavelmente o trabalho). "Vai bem" é uma resposta que consegue abranger tudo o que se passa no trabalho? O bom, o menos bom, o genuinamente mau e o insuportável.... claro que "vai bem" é uma mentira. Vá, uma omissão no seu melhor.
Então porque será que os filhos nos ocultam as suas vidas?
Vamos por partes. Primeiro, porque perguntamos.
"Porque queremos saber", óbvio. "Porque nos preocupamos", já é menos óbvio. "Porque amamos os nosso filhos" é algo que para uma criança com um "como vai a escola" não podia estar mais longe do óbvio. "Ah mas devia ser óbvio", devia acontecer muita coisa que não acontece, adaptemos ao real.
Frequentemente há uma confusão entre preocupação e amor. Frequentemente quando os pais perguntam "Como vai a escola?" querem saber se há problemas, o que está a correr menos bem para o poderem solucionar. É normal. Faço o mesmo com a minha filha não tenham ilusões.
Estamos preocupados. Normalíssimo. Mas falta outra coisa na relação...imaginem uma relação, uma relação amorosa, de amizade, de trabalho, em que a pedra fundamental dessa relação era exclusivamente a Preocupação. Todas as conversas nesta relação orbitavam em torno do medo "do que pode correr mal" como tentativa de controlo deste medo. Cansativo não é? Ficaríamos com a impressão que todo o resto do nosso ser não interessa. Estamos seguros e protegidos mas não temos espaço para existir porque aquela relação só quer saber do controlo do seu próprio receio.
O que nos leva ao porquê da "mentira" ou omissão.
É que por vezes esta conversa de "como vai a escola" transparece esta relação preocupada e nada mais. A criança sente que não há aparente genuíno interesse em que se conte a ultima palermice que o colega do lado disse e do quanto se riu ou outras conversas "triviais". É quase como se a criança entendesse um sub texto que diz: "sim sim já percebi, vá correu alguma coisa mal? Há algum perigo no recreio para falar com a direcção? Algum professor a explicar mal a matéria? Algum menino roubou-te algo?". O que também é importante, mas não pode ser o exclusivo.
A criança que sente que há interesse em ouvir o seu dia, a complexidade de todo o seu dia, com atenção, retorno, investimento afectivo, será uma criança que tem gosto em contar o seu dia. Também terá confiança para saber que as partes que correm menos bem serão atendidas e escutadas com a mesma compaixão e empatia com que as partes boas foram.
Encarem a "mentira" (sim, as aspas são cansativas mas intencionais, tolerem-me nisto) como um indicador de proximidade à criança. Neste sentido o adulto tem que também ele manifestar proximidade. Falar com a criança, conversar, sobre o seu dia, sobre a escola na sua altura, estabelecer paralelismos que premeiem a honestidade (e a responsabilidade).
Nenhuma criança "mente" aos pais por "maldade", mas sim porque é vantajoso.
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