A reabertura das creches após a quarentena é um dos temas que mais comentários e opiniões tem suscitado. Talvez por ser um tema sensível, talvez por mexer com a saúde das nossas crianças, talvez porque as consideramos mais vulneráveis e indefesas. Os pais sentem receio em deixar as suas crianças num espaço fechado e partilhado com outras crianças e adultos. Isto dificulta o controlo que os pais têm sobre a situação e o risco aumenta.
Contudo, os pais estão ambivalentes. Por um lado, precisam de ir trabalhar e não têm onde deixar os filhos, por outro lado, temem pela sua segurança. Estão ambivalentes entre o desejo de retornar à normalidade e devolver alguma normalidade aos seus filhos e o desejo de os manter em segurança.
Segundo os especialistas na área, este vírus não desaparecerá tão cedo e, por isso, teremos que conviver com ele durante largos meses até que, uma vacina ou um tratamento esteja disponível no mercado. Diz-se que também que não será tão cedo quanto o desejado. O que faremos então? Continuaremos em casa? Manteremos as crianças em casa? Ou arriscaremos ser contagiados por um vírus que desconhecemos? Nenhuma das opções nos parece uma escolha viável. Contudo, chegará um momento em que a tomada de decisão se tornará inevitável.
Embora as escolas secundárias já tenham retomado algumas aulas presenciais, as normas estabelecidas para as creches parecem a todos insuficientes para manter as crianças em segurança. Talvez porque todos tenhamos a perceção que é mais difícil manter o distanciamento e as regras de seguranças em crianças tão pequenas. Na verdade, é seguramente mais difícil. Poucos terão a ilusão de que as crianças se manterão distantes. Nesse caso, qual é a solução? Habituarmo-nos e tolerarmos algum nível de risco na nossa vida. Se este vírus não desaparecerá tão cedo, se as soluções médicas não chegarão no tempo que todos gostaríamos, apenas nos resta cumprirmos as medidas de segurança e tolerar a existência de algum risco na nossa vida.
No nosso dia-a-dia convivemos com inúmeros riscos, nomeadamente conduzir, atravessar estradas ou até, contrair outras doenças. Talvez este seja mais um risco com o qual passaremos a ter que conviver. A diferença? Sabemos pouco sobre este risco e temos pouco controlo sobre ele, o que nos faz teme-lo mais do que outros riscos que corremos no dia-a-dia. Não é que tenhamos um controlo muito maior sobre o risco de ter um acidente, contudo, como somos nós a conduzir e sabemos o significado e consequência de um acidente, temos uma maior perceção de controlo, embora possa ser ilusória. É a nossa perceção de controlo que nos leva a correr determinados riscos e, neste caso, temos uma perceção de controlo baixa.
Temos por isso um processo de habituação para fazer até podermos contar com a ajuda medicamentosa para a diminuição do contágio ou para um tratamento mais eficaz.
Catarina Lucas - Psicóloga
Em Crónica Mensal para a Revista Visão
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