Quando imaginamos a palavra “dependências” na nossa mente somos assoberbados por emoções e imagens de elevada carga emocional; o “dependente” tem socialmente um estigma, e a associação é frequentemente de ostracização e de julgamento social. Infelizmente também descredibilizamos o que é uma dependência quando popularmente imaginamos apenas o toxicodependente ou o alcoólico.
Mas existem mais dependentes do que apenas os alcoólicos, toxicodependentes, etc. Existem os que perdem reformas no euromilhões, existem os miúdos que faltam a exames para jogarem computador, existem pais que se desligam dos filhos quando mexem no smartphone, existem dificuldades financeiras por detrás de compras descontroladas, existem muitas variedades de dependências.
A dependência trata-se e aborda-se com compreensão e tolerância. Muito diferentes da desculpabilização ou desresponsabilização. Compreender e tolerar o funcionamento dependente é uma estratégia basilar inicial do tratamento.
Temos portanto dois aspetos das dependências: com substância e sem substâncias. Hoje vou-me focar nas dependências sem substâncias, ou seja, as que implicam comportamentos ilícitos: jogo, sexo, internet, compras, alimentação, entre outros.
Como o nome sugere, são dependências que construíram comportamentos potenciais de dependência. E o que são estes comportamentos dependentes?
Necessidade compulsiva de realizar o comportamento (não controlamos o comportamento, não é uma escolha, o comportamento dependente é quem dita as regras)
Estes comportamentos mantêm-se independentemente das consequências negativas para o próprio e terceiros (perdas de dinheiro, discussões familiares, consequências profissionais, etc., não dissuadem a dependência)
As tentativas de controlar o comportamento dependente são muito difíceis e vividas com muito sofrimento
Preocupação e pensamento persistente sobre o comportamento dependente
Reação emocional desajustada sobre o comportamento dependente
Normalmente há uma crença facilitadora da dependência comportamental, uma eterna comparação: “ao menos não são drogas” ou comparações pelo mal-menor “então e o tabaco não é pior?”; contudo, estas crenças apenas servem para perpetuar a dependência. Afinal a quem interessa os outros e outras dependências se o sofrimento é nosso? Porque a comparação com os lençóis de linho mal passados a ferro do vizinho se fiz a minha cama com pregos?
As dependências comportamentais têm na verdade mecanismos cerebrais em todo semelhantes às adições de substâncias, ou seja, ativam sistemas de recompensas semelhantes aos ativados pelas drogas psicoativas além de produzirem sintomas comportamentais comparáveis.
Na sua essência, as crenças base da dependência comportamental são iguais às dependências com substâncias:
Crenças antecipatórias: Crença de uma experiência positiva antes do comportamento aditivo “Quando jogo sinto-me em controlo”, “Quando gasto imenso em compras sinto-me invencível”.
Crenças centradas no alívio: Crença de que o comportamento aditivo resulta na diminuição de emoções negativas “Só preciso de passar umas horas no Facebook para relaxar”, “A vontade de jogar só vai desaparecer quando for jogar”, “preciso de fazer exercício para funcionar”
Crenças facilitadoras ou permissivas: Crenças que servem como permissões e justificações para o comportamento dependente “mereço isto”, “foi um dia complicado, é a minha recompensa”
A procura de ajuda terapêutica é um passo que em qualquer momento da vivência na dependência terá o seu beneficio. Tanto no apoio à pessoa no seu comportamento dependente numa fase inicial, como inicio de um processo de mudança, quer ao longo do seu processo terapêutico, mas também como medida de apoio e acompanhamento pós-tratamento. O psicólogo em conjunto com a pessoa irá avaliar concretamente o que implica a superação dos obstáculos criados pela dependência, os conflitos aos diversos níveis e dimensões de vida afetados, estabelecendo um compromisso de mudança. Claro, como pedra basilar, a compreensão e tolerância.
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