Nas últimas décadas passámos das tradicionais famílias alargadas/numerosas do passado às famílias mais restritas e até às famílias reconstituídas do presente.
O divórcio constitui-se como uma crise com múltiplos impactos, porém, não tem consequências negativas por si só. Por exemplo, a perda pode surgir como um ponto de partida, que pode trazer frutos positivos que permitem aos pais serem felizes noutras relações, proporcionando às crianças libertarem-se de famílias disfuncionais, ganharem novas famílias e experiências de vida enriquecedoras.
Dado ao aumento de divórcios, novas famílias constituem-se com um emaranhado de papéis: madrastas ou padrastos, enteados, meios-irmãos, filhos dos antigos e novos casamentos dos progenitores. A formação de uma nova família terá características novas, que envolve necessidade de readaptações constantes a múltiplos desafios, que podem contribuir para algum stress adicional.
Os pais devem estar particularmente atentos à fase desenvolvimental das crianças dado que existem uma série de mudanças que têm impacto significativo na sua vida.
Para uma criança ter um novo elemento na família, seja adulto ou criança, poderá ser difícil por várias razões. Por achar que o seu progenitor biológico está a ser substituído; pela sensação de abandono, ciúme ou competição, quando o progenitor gasta mais tempo e energia com o seu novo cônjuge e/ou com os filhos deste; ou até porque constitui o
fim da sua esperança em ver os pais juntos novamente. Neste sentido, as emoções (confusão, zanga, tristeza) e comportamentos da criança poderão ser instáveis numa fase de adaptação.
Investigações recentes sugerem que as crianças menores de 10 anos tendem a aceitar melhor um adulto novo na família, especialmente quando o adulto é uma influência positiva. Os filhos entre os 10 a 14 anos podem ter mais dificuldades na adaptação a uma família reconstituída, com atitudes de rejeição e/ou o confronto com o padrasto/madrasta, uma vez que é uma idade em que estão a desenvolver as suas próprias identidades. Os filhos poderão também criar obstáculos à gestão da parentalidade nesta nova família, uma vez que os mesmos podem desejar manter a sua lealdade para com o seu pai/mãe ausente.
Existe um aspeto essencial a ter em consideração: a atenção individual de que cada criança necessita no afeto parental e que não pode ser substituída pelo afeto de um meio-irmão, padrasto ou madrasta. Podem experimentar criar o “dia do filho único”, no qual deve dar atenção exclusiva a cada filho, fazendo atividades prazerosas a dois.
O estabelecimento de rotinas, atividades e rituais ajudará a criar um sentido de consistência e previsibilidade nas suas vidas, bem como sentimento de coesão da nova família.
Sejam quais forem as configurações das novas famílias, o foco deverá ser sempre possibilitar que as tarefas e funções parentais sejam desempenhadas de forma adequada para o crescimento e desenvolvimento físico e emocional saudável das crianças e adolescentes.
Dicas para famílias reconstituídas felizes:
- Ter paciência e gerir expectativas de forma realista;
- Saber ser flexível e coerente
- Respeitar as crenças e hábitos construídos nas famílias de origem;
- Aceitar as singularidades de cada um e valorizar os seus aspetos positivos;
- Não ter medo de perder o amor de outro elemento;
- Deixar claro aos seus filhos que os ama incondicionalmente, independente do surgimento de pessoas na sua vida;
- Haver coerência nas práticas educativas com os companheiros e com os pais biológicos;
- Se tiver filhos de outros relacionamentos, não faça comparações nem demonstre favoritismo;
- Metacomunicar sobre as dificuldades sentidas e sobre as emoções de cada um.
Os primeiros tempos poderão ser mais turbulentos, mas à medida que os novos hábitos e relações familiares se vão consolidando, e os pais, filhos e enteados irão sentir-se mais confortáveis nos seus papéis. Lembre-se que este grande desafio trará momentos gratificantes e de grande aprendizagem para todos.
Raquel Carvalho
Psicóloga clínica infanto-juvenil
댓글