A estação mudou, o tempo esfriou, e é agora necessário ir buscar roupa a gavetas que não abríamos há meses. Que gaveta lhe parece mais fácil abrir? Aquela onde arrumou a sua roupa toda direitinha no final do inverno passado, ou aquela onde tentou colocar o máximo de roupa possível, sem a dobrar ou arrumar, e que no fim até teve de fazer força para fechar a gaveta?
Ao longo da vida arrumamos as nossas memórias na nossa cómoda interior, umas bem direitinhas outras mais amarrotadas...
Com algumas memórias, tendencialmente positivas, investimos tempo a dobrá-las, a colocá-las na gaveta, a apreciá-las durante este processo. São as nossas boas memórias, aquelas que gostamos de relembrar, de reviver, de guardar. Ao longo do tempo, sempre que nos apetece, abrimos esta gaveta de memórias várias vezes, sempre bem arrumada e cuidada, e fácil de abrir.
No entanto, existem outro tipo de gavetas na nossa cómoda. São as gavetas que contêm as nossas memórias mais difíceis, as que nos magoam, as que preferíamos esquecer. São gavetas geralmente desarrumadas, porque não queremos dedicar tempo a cuidar delas. São gavetas que evitamos abrir com medo do que possam conter, do que possa sair lá de dentro, e de como nos vai afetar. E como evitamos fazê-lo, ganham o estatuto de gavetas impossíveis de abrir.
Tentamos evitar abrir estas gavetas para sempre, ignorar as memórias que contêm, fazer de conta que não existem. No entanto, seremos mesmo capazes de o fazer? Se mantivermos uma cómoda desarrumada, onde guardaremos novas memórias? E se houver um tremor de terra, que faça com que todas as gavetas saltem da cómoda, como iremos lidar com o caos que se seguirá?
É necessário processarmos as nossas memórias dolorosas. É necessário olharmos para elas, analisando-as, extraindo os significados, percebendo que partes ainda nos magoam, e como afetam o nosso presente.
Analisar as memórias dolorosas permite-nos voltar a arrumá-las de uma forma mais
eficiente, permite criar espaço para novas memórias, permite que, perante uma nova situação traumática ou dolorosa (um tremor de terra!) tenhamos a capacidade de a processar e nos reorganizar, sem a interferência de todas as outras memórias dolorosas.
Muitas vezes, quando fazemos este exercício em terapia, apercebemo-nos de que aquelas memórias já não magoam tanto como antes, ou que neste momento possuímos mais capacidade de lidar com elas. Aprendemos a identificar que características de personalidade positivas e negativas aquela experiência nos trouxe, agradecendo as positivas e trabalhando para alterar as negativas. Aprendemos que, no fundo, crescemos com a crise. E, após este processo, aprendemos a arrumar as gavetas de memórias negativas, com o cuidado e dedicação que também merecem.
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