Existem alguns temas recorrentes nas consultas em períodos específicos.
O mês de Janeiro é um desses períodos, e este não é diferente. O texto de hoje prende-se com as “resoluções de ano novo” justamente porque são o tema "de hoje" de muitas consultas.
Não deixa de ser curioso como algo que é mediaticamente apregoado com tanto optimismo, quase de carácter obrigatório, trás tanto sofrimento posterior. Quase que fica mal se alguém nos pergunta a resolução de ano novo responder "não tenho". Mas afinal porque haveriam de ser as resoluções de ano novo uma fonte de sofrimento? São fontes de mudança, e dizem-nos os gurus do optimismo de café que a mudança é boa. Sempre. Sem questão.
Piadas à parte, a fonte de sofrimento vem quando as resoluções de ano novo falham. Infelizmente falham frequentemente. Existem uma série de factores que resultam neste desfecho, mas hoje vamos abordar o problema por uma perspectiva preventiva: Especificamente, os cuidados a ter com as resoluções de ano novo.
Se o ano novo serve de pretexto para um momento de introspecção, análise (realista) do que se atingiu no ano e de quais eram as expectativas (reais) do ano que passou, também pode servir como um momento de motivação e para (re)organizar energias para mudanças.
Mas as mudanças por vezes podem ser mal estruturadas, e a motivação ter por base um pressuposto errado. E neste contexto, as resoluções de ano novo são uma espada de dois gumes: se por um lado podem ser o inicio de algo diferente, também podem ser uma ancora que nos arrasta na melancolia, culpa e arrependimento do que não se atingiu.
E é isto que pretendo alterar. Não só em consultas, mas em conversas corriqueiras, deparo-me com resoluções de ano novo que não são resoluções…são desejos, pensamentos mágicos, intenções vagas na melhor das hipóteses.
Vamos a um exemplo comum. Todos nós já tivemos aquelas conversas quando encontramos na rua um amigo já muito esquecido no tempo, e a conversa acaba com “…a ver se marcamos um café um dia destes”.
“…a ver se”. E o café nunca é marcado.
Porque será que isto acontece? Bem, há muitos motivos, mas acontece principalmente porque não se planeou este futuro café. Parece óbvio correcto? Então porque caímos tão frequentemente nesta armadilha?
“…a ver se marcamos um café”, mas na verdade não se estipula datas para a marcação, uma janela temporal de quando se esperar que se marque o café, nem sequer um pensamento sobre o que implica ir beber o café com a dita pessoa. Será que tenho que sair mais cedo do trabalho?, algum dia especifico?, Adio as compras da semana?, etc. Tal como muitas resoluções de ano novo, são vazias de planeamento e concretização, e o “…a ver se marcamos um café” torna-se quase um desejo mágico e mais valia dizer honestamente “espero que por acaso nos voltemos a encontrar um dia destes”.
Em suma é preciso fazer a pergunta “O que é preciso para que isto aconteça?”.
O mesmo acontece com resoluções de ano novo. Se não forem pensadas, são vazias e apenas desejos. Desejos temos todos, mas desejos quando mascarados de “resolução de ano novo”, têm o potencial para serem “falhanços” vividos intensa e pessoalmente.
Então como podemos fazer com que as nossas resoluções de ano novo se cumpram, ou caminhem o mais próximo possível nesse sentido?
Pessoalmente gosto da metodologia SMART. É uma metodologia usada em Psicologia do Desporto e na intervenção em Recursos Humanos.
SMART porque cada uma das letras tem uma correspondência (em Inglês) às etapas de concretização de objetivos.
Assim as resoluções de ano novo podem ser analisadas deste modo:
1. Especificas – transformar a resolução num objetivo concreto, menos vago. Por exemplo, um universitário que diz que vai ser melhor aluno, mas não especifica o que é ser bom aluno. É reduzir o absentismo? Aumentar a média? Organizar os calendários de estudo e trabalho? As resoluções de ano novo sofrem muitas vezes de falta de especificidade.
2. Mensuráveis – medir a progressão da meta. No exemplo anterior, reduzir o absentismo é o que? Faltar a numa aula? Faltar a uma por mês? Duas? A média tem que subir quanto?
3. Atingíveis – a componente de realismo na resolução. Pegando no exemplo do café com o amigo, este amigo sequer vive perto? Há tempo da minha parte para realisticamente ir beber café com esta pessoa? Ou vontade genuína com consciência do trabalho que dá fazer algo? Ou foi apenas uma expressão educada de despedida?
4. Relevante – pesar na balança a resolução. Vai servir para que? Vale a pena? Há resoluções de ano novo que são socialmente desejáveis e agradáveis ao ouvido…mas é isso que queremos? É o que nos faz sentido na vida e enquanto a pessoa que somos?
5. Temporal – a resolução de ano precisa de uma janela temporal. Habitualmente, como resolução de ano novo que é, a janela temporal é “este ano”, mas isto é vago e pouco útil. Depois de se cumprir as anteriores quatro etapas será possível colocar janelas temporais para o processo de se cumprir a resolução de ano novo. “Ao fim do mês devo estar perto disto”, “em Agosto seria importante se este aspecto da minha resolução estivesse cumprida”, ou no nosso exemplo corriqueiro do café, “ainda esta semana vou ligar àquela pessoa, até sexta tem que acontecer”.
Mais importante: ter em mente que a vida não cumpre planos rígidos, que as pessoas falham, que a vida nos prega uma rasteira quando não esperamos, e que por vezes, demoramos mais tempo a recuperar do que outras pessoas.
Paradoxalmente, talvez a resolução de ano novo deva ficar no fundo da mente como uma coisa generalista: um desejo humano de ser e de se estar melhor. Um desejo de viver o que a vida tem para ser vivida. Enquanto esta resolução de ano novo for sentida, todos os dias e todos os anos, está a ser cumprida.
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