O conceito de adolescência e o interesse científico por este período do desenvolvimento humano é algo de relativamente recente, existindo razões sociológicas e culturais para estes factos. À semelhança do que aconteceu com o período da infância no século XVIII, apesar de sempre terem existido componentes específicos de carácter físico e psicológico que distinguem a adolescência de outras fases do desenvolvimento, a cultura nem sempre os reconheceu como tal (Sprinthall & Collins, 1994).
A industrialização dos países ocidentais na transição do século XIX para o século XX, bem como as transformações profundas que esta acarretou na organização social e familiar, estão associadas ao aparecimento do conceito de adolescência (Sampaio, 2002). Estas transformações foram particularmente notórias no facto das actividades educativas e profissionais dos jovens passarem a ser menos controladas pelos pais. A escola, ao começar a assumir um papel central na educação, contribuiu para ampliar o tempo de passagem de um estatuto não produtivo para um estatuto produtivo e criou um espaço cada vez mais amplo para a influência do grupo de pares no desenvolvimento do adolescente (Sampaio, 2002).
É neste contexto que se inicia o estudo científico da adolescência, no qual Granville Stanley Hall (1844-1924) será um dos seus pioneiros. Tal como outros autores na área da Psicologia do Desenvolvimento, Hall (1904 cit. por Cairns, 1998) foi extremamente influenciado pelo Darwinismo e pelos trabalhos na área da Embriologia, facto que é notório na aplicação dos princípios biogenéticos ao desenvolvimento psicológico. Hall (1904 cit. por Berzonsky, 2000) considerava que a ideia da recapitulação da filogénese pela ontogénese, que explicava a alteração das estruturas morfológicas da espécie, também poderia ser utilizada na explicação das mudanças comportamentais que ocorriam ao longo do ciclo de vida. Assim, os comportamentos de arrastar e gatinhar na infância, que são semelhantes às formas de locomoção de alguns animais, seriam uma reprodução de uma era primitiva na história da evolução humana (Berzonsky, 2000; Cairns, 1998).
De forma semelhante, Hall (1904 cit. por Berzonsky, 2000) via o comportamento do adolescente como uma reprodução das eras mais bárbaras e selvagens da civilização humana, ou seja, um comportamento desregrado, indisciplinado e chocante. Seria na adolescência que o ser humano poderia «renascer» como um ser civilizado e com responsabilidades sociais, mas isso implicaria o abandono da satisfação das necessidades e desejos individuais. A adolescência normal seria assim marcada pela luta entre o interesse individual e o bem social, o que resultaria num período de tensão marcado pela emotividade, labilidade, perturbação e em passagens rápidas da exuberância à melancolia (Berzonsky, 2000).
A caracterização da adolescência como um período universalmente turbulento e gerador de tensão estaria de acordo com os dados existentes no início do século XX em relação à maioria das culturas ocidentais, contudo nesta época surgem um conjunto de estudos antropológicos (e.g., Mead, 1928; Benedict, 1938 cit. por Berzonsky, 2000) realizados em culturas não ocidentais que contestam esta ideia. As conclusões destes estudos levaram à formulação das teorias culturais, cujos pressupostos básicos passam por considerar que as manifestações comportamentais da adolescência variam de cultura para cultura e que a menor ou maior tensão na transição para a vida adulta depende dos processos de socialização, instrução e educação. Mais especificamente, uma maior ou menor turbulência na adolescência depende da continuidade ou descontinuidade entre os papéis de criança e os papéis de adulto (Benedict, 1938 cit. por Berzonsky, 2000).
Outro conjunto de teorias que se debruçaram sobre as transformações na adolescência foram as teorias psicanalíticas, inicialmente com os contributos de Freud (1924/2001) e mais tarde com os trabalhos de Anna Freud (1946 cit. por Berzonsky, 2000). A psicanálise clássica deu um grande destaque ao papel das experiências infantis na formação da personalidade adulta, considerando que as alterações ocorridas na adolescência não produzem alterações muito significativas nesse processo (Berzonsky, 2000). Na visão de Freud (1924/2001) sobre a adolescência estão presentes as considerações acerca da fase genital, fase esta que se iniciaria com a puberdade e que seria marcada pelo aumento das fantasias e necessidades sexuais, e por um ressurgimento dos sentimentos edipianos reprimidos durante latência. Deste modo, a turbulência emocional do adolescente estaria ligada não a factores do presente, mas à expressão de sentimentos edipianos mal resolvidos ou a conflitos reprimidos desde a infância.
Ao contrário de Freud (1924/2001), Anna Freud (1946, 1972 cit. por Berzonsky, 2000) irá incidir o seu trabalho mais directamente nas mudanças desenvolvimentistas da adolescência. Esta autora considerava que uma certa dose de turbulência nesta fase de desenvolvimento seria desejável, uma vez que a ausência de conflito e tensão poderia significar que os adolescentes estariam a estruturar a sua personalidade tendo exclusivamente por base as introjecções parentais adquiridas durante a infância, facto que seria sinal de uma relutância em crescer e autonomizar-se.
Ao analisarmos estas três teorias históricas sobre a adolescência, apercebemo-nos que independentemente das diferenças conceptuais, todas elas se centram, quer pela presença quer pela ausência, na ideia de adolescência como um período de turbulência e de tensão. Tal ideia originará um dos conceitos mais equívocos e mais utilizados pela psicologia para explicar os mais variados comportamentos dos adolescentes: o conceito de crise da adolescência.
Um dos autores que introduziu o conceito de crise na Psicologia foi Erik Erikson (1968). Erikson (1968) procura elaborar uma teoria do desenvolvimento da personalidade que sintetize as teorias de inspiração psicanalítica com as teorias antropológicas. Esta teoria considera que o ser humano passa por oito fases distintas ao longo do seu desenvolvimento, sendo que a transição para cada fase é marcada pela resolução de um conflito normativo que integra simultaneamente aspectos psicológicos e sociais – a crise psicossocial (Erikson, 1994).
Um dos aspectos que Erikson (1968) refere é que o conceito de crise encerra em si mesmo uma noção de vulnerabilidade, mas simultaneamente de criatividade. Esta questão é particularmente importante quando analisamos a fase da adolescência, que segundo Erikson (1968) é marcada pela crise psicossocial identidade versus difusão da identidade. Se assumimos que esta crise da adolescência poderá fazer emergir turbulência e psicopatologia, também devemos assumir que se trata de um período de criatividade, de descoberta e de procura do que nos define ou irá definir enquanto seres humanos, isto é, a nossa identidade. Deste modo, e sintetizando o que já foi referido, a teoria de Erikson (1968) e as teorias psicossociais da adolescência por ele influenciadas (e.g., Marcia, 1976) irão apaziguar razoavelmente a polémica conceptual que marcou o início do estudo da adolescência. A partir desta altura, começa a surgir outra questão : Se assumimos que a adolescência é uma etapa de desenvolvimento com características próprias, quando se inicia e quando termina?
De acordo com Sampaio (2002) esta questão não é de fácil resposta. Sabemos ou convencionámos que a adolescência se inicia com a puberdade, cujos marcadores biológicos fundamentais são o aparecimento da menarca (primeira menstruação) nas raparigas e das primeiras ejaculações nos rapazes. No entanto, estes dados não são totalmente rigorosos, uma vez que a idade de aparecimento da menarca é influenciada por um conjunto de factores históricos, geográficos e sociológicos; e que os dados de aparecimento das primeiras ejaculações nos rapazes são difíceis de determinar com exactidão (Sampaio, 2002).
Mas se existem dificuldades em determinar o início da adolescência, estas ainda se agravam mais na conceptualização do seu fim. Erikson (1968) fala na formação da identidade e Blos (1979 cit. por Sampaio, 2002) na formação do carácter como a tarefa final desta fase do desenvolvimento humano. Como facilmente se entende, estes conceitos sendo conceitos psicológicos estão repletos de ambiguidade, uma vez que não só são difíceis de definir, operacionalizar e avaliar como também são permeáveis à influência dos contextos sociais.
Após uma reflexão sobre estas questões, Laufer (1972, cit. por Sampaio, 2002) convencionou que os limites etários da adolescência variariam entre os 12 e os 21 anos. Contudo, e precisamente devido às questões acima referidas, um dos aspectos que hoje em dia é mais ou menos consensual a nível empírico e teórico é de que a especificidade da adolescência enquanto fase de desenvolvimento passa sobretudo pela forma como o adolescente se posiciona em relação às seguintes tarefas de desenvolvimento: 1) alteração da relação com os pais; 2) alteração da relação com os pares e 3) formação da identidade (Laufer, 2000).
O adolescente terá de abandonar progressivamente a dependência e a idealização parental características da infância, construindo a autonomia necessária para se distanciar da família e investir em relações extrafamiliares. Neste contexto, o grupo de pares assume uma importância crescente, pois torna-se no espaço preferencial para o contacto com figuras de identificação fora do contexto familiar, para a partilha de experiências e para o estabelecimento das primeiras relações afectivas e sexuais (Sampaio, 2002). O adolescente passará também por um período em que poderá experimentar vários papéis e empreender várias experiências – a que Erikson (1968) designou por moratória – e consolidar a sua identidade. Ultrapassar de forma positiva a crise psicossocial identidade versus difusão da identidade, implica uma auto-reflexão e um compromisso com questões fundamentais para a entrada na vida adulta: qual a identidade sexual que nos atribuímos a nós mesmos; quais as nossas crenças religiosas, filosóficas ou políticas; quais os nossos interesses profissionais, quais os pressupostos fundamentais com que encaramos a nossa vida?
Esta reflexão sobre as tarefas de desenvolvimento da adolescência deve também ser enquadrada nos processos de desenvolvimento que ocorrem no contexto familiar. Assim, e tal como o adolescente terá de lidar com todo um conjunto de transformações, o mesmo se passa com a sua família. Numa perspectiva sistémica, as famílias com adolescentes deparam-se com um conjunto de mudanças normativas que caracterizam esta fase do ciclo de vida da família: a alteração da relação pais-filhos; a recentração dos pais na vida conjugal e nas carreiras profissionais; e o apoio à geração mais velha (Alarcão, 2002; Relvas, 1996).
Nesta fase existe uma evolução na relação pais-filhos, evolução que se caracteriza por um movimento faseado e progressivo. Inicialmente, os filhos têm uma grande dependência face aos pais e vêm-nos como uma fonte directa de satisfação das suas necessidades, mas existe um momento em que os pais (e os adultos em geral) começam a ser investidos e avaliados de acordo com as suas características, isto é, os pais começam a ser desinvestidos como elementos nutrientes e autoritários para serem investidos numa relação de igual para igual (Alarcão, 2002; Relvas, 1996).
Este movimento de transformação também faz com que o casal abandone o predomínio da sua função parental. A vida familiar vai recentrar-se no sub-sistema conjugal (que fica mais livre para renovar a relação ou para se confrontar com as suas dificuldades) e os pais podem redefinir alguns aspectos das suas carreiras profissionais. Paralelamente, existe uma reaproximação à geração mais velha (que se torna mais vulnerável e que pode necessitar de um maior apoio e protecção) e, por vezes, o sistema familiar é confrontado pela primeira vez com experiências de perda e de morte (Alarcão, 2002; Relvas, 1996).
A adolescência, enquanto período do desenvolvimento humano, caracteriza-se por esta complexidade e por estes processos de mudança a nível individual e a nível micro e macro-sistémico. Assim, é fundamental termos presente a complexidade destes processos quando nos confrontamos com adolescentes e com famílias em contextos de vulnerabilidade psicológica, pois é a partir deles que é possível estruturar a matriz de uma psicoterapia individual e/ou familiar que possa dar resposta à diversidade de situações que surgem na prática clínica.
Referências Bibliográficas
Alarcão, M. (2002). (des) Equilíbrios Familiares (2ª. Edição). Coimbra: Quarteto.
Berzonsky, M. D. (2000). Theories of Adolescence. In G. Adams (Ed.), Adolescent Development: The Essential Readings (pp. 9-27). Oxford: Blackwell.
Cairns, R. B. (1998). The Making of Developmental Psychology. In W. Damon (Series Ed.), Handbook of Child Psychology (Vol. 1, pp. 25-105). New York: Wiley.
Erikson, E. (1994). The Life Cycle Completed: a Review. New York: Norton.
Erikson, E. (1968). Identity: Youth and Crisis. New York: Norton.
Freud, S. (2001). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Lisboa: Livros do Brasil. (Trabalho original publicado em alemão em 1924).
Laufer, M. (2000). O Adolescente Suicida. Lisboa: Climepsi. (Trabalho original publicado em inglês em 1995).
Marcia, J. (1976). Identity six years after: A follow-up study. Journal of Youth and Adolescence, 5, 145- -160.
Relvas, A. P. (1996). O Ciclo Vital da Família: Perspectiva Sistémica. Porto: Edições Afrontamento.
Sampaio, D. (2002). Ninguém Morre Sozinho: O Adolescente e o Suicídio (13.ª edição). Lisboa: Caminho.
Sprinthall, N., & Collins, W. (1994). Psicologia do Adolescente: Uma Abordagem Desenvolvimentista. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Nota - Para uma leitura mais aprofundada sobre estes temas, poderá consultar a seguinte referência: Frazão, P. (2003). De Dido a Dédalo: Reflexões sobre o Mito do Suicídio Romântico na Adolescência. Análise Psicológica, 21, 4, 453-464.
Foto: Pedro F./2018