É certo e sabido que existe uma relação estreita, mas pouco linear, entre o corpo e a mente. Um dos fatores que os une é, inevitavelmente, o facto de ambos puderem sofrer traumas que culminam em feridas. Quando tratadas, tanto as feridas físicas como as feridas emocionais acabam por sarar, com tempo, mas, nem o corpo, nem a mente, voltam a ser exatamente o que eram. Há sempre marcas que ficam, as ditas cicatrizes, que tornam mais suscetível a possibilidade de se puder voltar a ferir aquele local vulnerabilizado, do corpo e da mente.
A feridas emocionais são, na maior parte das vezes, marcas de episódios vividos durante a infância, especialmente na relação com os progenitores, que condicionam a forma como nos relacionamos, connosco e com os outros, na vida adulta. Uma das feridas emocionais mais profundas é a da rejeição.
De um modo geral, rejeitar significa desprezar/recusar, o que poderá ser traduzido no ato de não amar algo ou alguém. Neste seguimento, torna-se fácil compreender que uma ferida emocional de rejeição se desenvolve quando a criança se sente rejeitada/não amada pelos seus progenitores/cuidadores, ainda que, por parte dos mesmos, não seja intencional essa rejeição, o que, afinal, torna o cenário menos fácil.
Perante as primeiras experiências de rejeição, é comum que a criança, na tentativa de se proteger de tal sentimento, diretamente relacionado com a desvalorização do self, tenda a ser mais tímida/reservada, segundo as pesquisas realizadas por Lise Bourbeau, uma das autoras mais emblemáticas no estudo das feridas emocionais e respetivo impacto. Pela mesma razão, as pessoas que sofrem uma ferida de rejeição tendem a desvalorizar-se de forma excessiva e, portanto, a procurar incansavelmente atingir a perfeição e obter o reconhecimento dos outros. Não obstante, nunca é suficiente, pois é a própria pessoa quem acredita não o ser.
Tendencialmente, pessoas que sofrem uma ferida de rejeição sentem-se, na maior parte do tempo, muito sozinhas. Por outro lado, vivem numa ambivalência constante pois, quando são escolhidas, como não acreditam que alguém as possa amar tal como são, tendem a sabotar, de forma inconsciente, as relações como mais uma prova de que não são suficientemente boas. Quando não são escolhidas, sentem-se rejeitadas pelos demais.
Vivemos numa geração que lida com as relações de uma forma cada vez mais superficial. Tão depressa queremos uma coisa como, no minuto seguinte, já queremos outra diferente. Desistimos facilmente das relações que dão trabalho e dos problemas que exigem dedicação e reflexão. Está claro que tal poderá relacionar-se ao aumento do número de pessoas que procura ajuda psicológica para aprender a gerir sentimentos rejeição daí provenientes, e reconhecer a sua origem. Outras pessoas decidem adotar uma outra forma de manter tal ferida aberta, que passa por evitar todo e qualquer tipo de intimidade e/ou ligação emocional ao outro.
Talvez tenha, então, chegado a altura de nos questionarmos: estarei eu a rejeitar por medo de ser rejeitado/a?
Tema muito atual, muito bom.